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COLUNISTAS / Perai, vem cá

Melhor evitar, não é mesmo?

28/03/2016

Por Vânia de Oliveira Alves

O caminho para o trabalho consiste em ruas tranquilas, bem frequentadas. Praticamente não há perigo. Apesar de que hoje, ah, os tempos são outros…

Depois do quarteirão de casarões coloniais, uma grande praça – um tanto deserta devido ao frio desses últimos dias – conduz ao escritório, bem no centro da cidade. Sentado, ali junto à fonte principal, está um grupo de… bem, pessoas que não devem ser daqui… Eles falam alto, têm esse sotaque um pouco diferente… e são negros, cerca de oito, nove – você não vê ao certo para que não pensem que você está encarando.

Decide acelerar o passo.

Sente um certo receio, afinal está vulnerável ali – você, cidadão de bem, indo trabalhar, e eles, ali, à toa. Sabe-se lá o que se passa, quais são suas intenções.

Automaticamente, redobra a atenção com seus pertences, só por garantia.

Instintivamente, põe a mão no bolso.

Embora não seja preconceituoso, sabe que é melhor desviar daquele caminho – vai saber, não é mesmo?

Opta então pela avenida paralela. É início do horário comercial e a presença de boas lojas e cafeterias garante a movimentação de pessoas trabalhadoras, e a sua segurança. É verdade que as calçadas tornam-se um pouco mais caóticas, há que se esperar o sinal verde para que pedestres atravessem as ruazinhas transversais, e o tempo previsto para chegar até o destino desejado aumenta. Mas é melhor garantir, mesmo chegando uns cinco minutinhos atrasado.

O celular toca – é o cliente, com reunião agendada para o primeiro horário do dia. Pede uma referência para chegar ao escritório, e avisa que atrasará cerca de vinte minutos – seu carro quebrou pela manhã e foi necessário vir ao centro com transporte público.

Então indica a ele o melhor caminho, aquele que evita… bem, por garantia, ele não é da cidade… é melhor vir pela avenida.

Preconceito? Não, não é isso, imagina, é só segurança mesmo. Garantia.

O texto, ligeiramente adaptado da vida real, narra um episódio (italiano) de clara separação entre os nascidos na cidade em questão e os estrangeiros – numerosos e diversos em suas línguas, religiões e costumes, mas ainda tidos como “outros”, “eles”, “aqueles”, “estranhos”.

Não, não são bem-vindos. A separação tão marcante – física, espacial – era desafiada apenas pelos jovens estudantes nos pontos de ônibus. Ali havia interação, integração; talvez sementes de transformação.

O episódio, porém, poderia perfeitamente ser brasileiro.

E, nesse sentido, este relato não tem final, não tem moral. É apenas provocativo.

Com dedicatória carinhosa àqueles que balançaram a cabeça, afirmativamente, a quaisquer (ou a todas) as “opções de segurança” adotadas pelo personagem.

(Porque não, não é preconceito – EU preconceituoso? – não, EU não, que isso! imagina… eu só… só acho melhor evitar, não é mesmo?)

Sobre a autora:

Vânia de Oliveira Alves. Mulher, valeparaibana, engenheira, aspirante a socióloga, artista de fins de semana – e às vezes durante a semana também. Escreve, fotografa, discute bastante, e tem bastante medo, mas geralmente vai lá e faz. Ainda não aprendeu a abrir uma garrafa de vinho, mesmo com aqueles saca-rolhas bonitos; talvez seja esse o próximo-pequeno-desafio a ser superado. Para descrições técnicas, está no LinkedIn, ResearchGate e Plataforma Lattes, é só jogar no Google 😉

COLUNISTAS / Academia Jovem de Letras

Espaço reservado às produções dos acadêmicos da Academia Jovem de Letras de Lorena.  Membros da AJLL: Beatriz Neves, Camila Loricchio, Danilo Passos, Gabriela Costa, Gustavo Alves, Gustavo Diaz, Heron Santiago, Isnaldi Souza, Jéssica Carvalho, João Palhuca, Julia Pinheiro, Lelienne Ferreira, Lucca Ferri, Samira Tito, Thiago Oliveira, Vânia Alves e Wagner Ribeiro.


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