Já são sete casos notificados na cidade; três descartados, quatro aguardando resultado
A situação é preocupante. A gripe H1N1 chegou mais cedo em 2016, muito provavelmente já fez ao menos uma vítima em Lorena e o Estado de São Paulo ainda não recebeu a vacina e nem tem antibiótico suficiente para toda a população, em caso de epidemia. Desde o início do ano, são 305 casos da doença e 46 mortes em todo o País; somente o Estado de São Paulo concentra 266 casos e 38 mortes (balanço divulgado pelo Ministério da Saúde com dados de até 19 de março). Nos últimos treze dias, os números devem ter sido consideravelmente ampliados.
Todas as formas de gripe podem se tornar graves. Porém, a Influenza A, causada pelo vírus H1N1, atinge com mais gravidade diversos grupos de risco. Entre os mais preocupantes, estão as crianças, idosos, grávidas, jovens, diabéticos e obesos. Isso sem falar nos profissionais da saúde, em contato constante com os doentes.
Em Lorena, de janeiro até o dia 31 de março, são sete casos notificados. Destes, três já foram descartados. Um homem de 61 anos está internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Unimed desde terça-feira, dia 29, com quadro de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Como a própria denominação diz, o quadro clínico deste paciente, que está entubado, é grave. Além dele, que já teve exame colhido para análise, a Secretaria Municipal da Saúde aguarda o resultado de outros três pacientes com suspeita da doença. Pelo menos dois deles teriam ficado em isolamento no Pronto Socorro da Santa Casa de Misericórdia da cidade, mas a direção do Hospital não confirmou a informação, sob a alegação de que não pode falar sobre casos não confirmados. “O isolamento respiratório é uma medida preventiva determinada pelo protocolo de atendimento para os casos suspeitos em hospitais”, explica a enfermeira responsável pelo Programa de Imunização da Vigilância Epidemiológica do município, Adriane de Freitas. “Paciente com caso notificado, mesmo que o resultado do exame ainda não tenha saído, deve ficar sete dias em isolamento; só pode sair depois de passar um dia sem febre”, continua.
De acordo com a Vigilância Epidemiológica de Lorena, o resultado dos exames demora cerca de dez dias para ficar pronto. E a determinação do Ministério de Saúde é que só fazem exame os pacientes que estão internados, apresentado sintomas graves da doença. Estes quatro pacientes que aguardam resultado em Lorena colheram amostras na quarta-feira, 30 de março. Portanto, só na próxima semana é que deve vir a confirmação ou não da Influenza A.
Números que não condizem com a realidade
“As estatísticas não são um retrato fiel do que ocorre nos corredores dos hospitais porque as instituições são obrigadas a notificar apenas os casos graves. Nos últimos três meses, milhares de brasileiros devem ter sido infectados pelo vírus”, aponta reportagem da revista Época. E não é possível fazer exame particular para confirmação da doença.
Em entrevista à revista, o infectologista Esper Kallás, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, diz: “Estamos vendo o início de uma epidemia fora de época e ainda não sabemos a razão disso”, diz. É possível que o vírus tenha sido reintroduzido no país por viajantes que vieram de regiões onde ele é endêmico (como a Europa ou os Estados Unidos).
Em Lorena, ainda que sejam “apenas” quatro pacientes aguardando confirmação ou não da doença, o que se vê são pronto-atendimentos lotados, tanto na Santa Casa quanto no Hospital Unimed. “Aqui no Hospital Unimed, pacientes que apresentam concentração de oxigênio abaixo de 92, febre alta, cafaleia e dor muscular intensa são classificados como atendimentos graves e de emergência”, diz o dr. Augusto José Cavalcanti Filho, coordenador da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar.
Vacinação pública só no final de abril
Apesar da doença estar se espalhando rapidamente pelo Estado, o fato é que a vacinação contra a gripe na região não foi antecipada. “Até o momento, a orientação para nós é que o ‘Dia D’ é 30 de abril, quando começa a campanha nacional de imunização, e segue até 20 de maio”, explica a enfermeira da Vigilância Epidemiológica de Lorena, Adriane. Para ela, o ideal seria já ter começado a vacinação.
“Se eu estivesse numa cadeira no Executivo, tentaria apressar a vacina”, afirmou o infectologista Esper Kallás.
Nesta segunda-feira, 28 de março, o secretário da Saúde de São Paulo, Davi Uip, formalizou no Ministério da Saúde o pedido para antecipar a campanha de vacinação em todo o Estado. O Ministério da Saúde, por sua vez, informou que não há condições, porque os laboratórios ainda não entregaram as vacinas e eles estão dentro do prazo, já que a campanha nacional está marcada para 30 de abril. “Gostaríamos de antecipar a vacinação, mas o produto ainda não está disponível. Existe um impeditivo tecnológico”, argumentou o diretor de Vigilância das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.
O Ministério da Saúde permitiu a antecipação da vacinação contra a doença em alguns estados, como em São Paulo; porém, como já explicado, ainda não há vacinas suficientes para imunizar toda a população de risco. O primeiro lote está previsto para ser liberado nesta sexta-feira, dia 1º de abril, mas somente para a capital paulista e região metropolitana. A partir do dia 11, poderão ser vacinados idosos, crianças maiores de 6 meses e menores de 5 anos e gestantes – moradores dessa região e parte da população-alvo. Profissionais de saúde serão imunizados a partir do dia 8. O restante da população-alvo da Grande São Paulo – que inclui ainda doentes crônicos, puérperas, indígenas, detentos e funcionários do sistema prisional – e os moradores dos demais municípios do Estado só poderão tomar a vacina a partir do dia 30 de abril.
Isso significa que o Vale do Paraíba, que já registra pelo menos 15 casos suspeitos, não está incluído nessa antecipação. Em Ubatuba, duas mortes suspeitas foram registradas; uma foi descartada, a outra aguarda resultado. Lembrando que os números podem ser ainda maiores, já que as cidades não são obrigadas a notificar ao Estado os casos da doença.
A vacina também já foi antecipada, com lotes do ano passado, na região noroeste do Estado (São José do Rio Preto e cidades próximas), onde foram registradas 16 mortes causadas pelo vírus este ano. Porém, a população que recebe a vacina do lote de 2015 deverá se vacinar novamente durante a campanha nacional para garantir também a proteção contra os vírus H3N2 e Influenza B.
A composição da vacina contra a gripe é atualizada a cada ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de acordo com as mutações sofridas pelos vírus. Após tomar a vacina, a pessoa só estará protegida contra a gripe após um período de três a quatro semanas.
Nas clínicas particulares, as vacinas esgotam-se em horas
Neste ano, dois tipos de vacina da Influenza foram autorizados: a trivalente, que imuniza contra três tipos de vírus (dois A e um B), e a quadrivalente/tetravalente, que imuniza contra quatro tipos de vírus (os três da trivalente e mais outro influenza do tipo B). Em ambos os casos, está inclusa a imunização contra o H1N1, que é o vírus influenza do tipo A e principal causador dos atuais surtos.
Na rede pública, apenas a vacina trivalente estará disponível. Em algumas clínicas particulares, é possível encontrar os dois tipos de vacinas, que custam em torno de R$ 100. No entanto, elas acabam em horas.
Em Lorena, na Clínica de Vacinação Protecina, as vacinas chegaram nesta quarta-feira, 30 de março, e acabaram no mesmo dia. Na próxima semana, deve chegar mais um lote, mas a maioria já foi comprada antecipadamente. “Estamos tentando comprar mais, mas está difícil. Os fornecedores não têm grandes quantidades pra oferecer”, explica a enfermeira Cibely Castro. “Tem gente que vem aqui e briga com a gente, porque acabaram as vacinas. Nós entendemos o desespero de muitas mães, que querem proteger seus filhos. Queremos atender a todos, mas simplesmente não estamos conseguindo comprar vacinas em número suficiente”.
Enquanto isso, há diversos relatos de pais da cidade que não estão permitindo que seus filhos frequentem a escola enquanto não estiverem imunizados.
Estado já sabia, mas não se preparou
De acordo com informe técnico do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) divulgado no site do órgão, a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo sabia há pelo menos quatro meses do aumento atípico de casos de gripe H1N1 no Estado.
De acordo com o documento, embora o pico da doença ocorra durante o inverno, a Secretaria passou a notar, a partir de meados de novembro de 2015, um crescimento nas notificações de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) causada pelo vírus H1N1. Consta do informe que foi constatado um aumento do número de casos de SRAG a partir da semana epidemiológica 46/2015, relacionados à atividade do vírus Influenza A (H1N1), contemplando 15 casos e quatro óbitos.
Os números registrados nos últimos 45 dias de 2015 representam 45,5% dos casos e 40% das mortes de todo o ano passado. A concentração de casos no final do ano é considerada anormal frente aos números dos verões dos anos anteriores (próximos de zero).
A Secretaria do Estado afirmou que, por mais que o Centro de Vigilância Epidemiológica tenha observado o crescimento atípico de casos da doença a partir de novembro, o cenário epidemiológico daquele momento “não indicava risco de expansão expressiva do vírus”. E então os casos de SRAG associados a H1N1 explodiram em janeiro e chegaram a números assustadores em março.
Para o coordenador da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Unimed de Lorena, dr. Augusto José Cavalcanti Filho, faltou planejamento e logística. “Desde novembro do ano passado que a Secretaria de Saúde do Estado estava ciente dessa possibilidade de antecipação. Os estudos deixavam isso claro, mas eles não acreditaram e não tomaram as atitudes que deveriam ter sido tomadas para fornecer os cuidados para a população do Estado. Eles poderiam ter tomado providências antes para antecipar a produção de vacinas”. O resultado desse despreparo tem sido o número crescente de casos e de mortes.
Está faltando até o Tamiflu
Segundo apurado, em Lorena, na quarta-feira, dia 30, não havia medicação contra a gripe A. No final do dia, a Vigilância Epidemiológica conseguiu alguns medicamentos para serem distribuídos, emprestados de Cruzeiro. A gerente da Vigilância Epidemiológica da cidade, Helen Cristina Colino, afirmou que, embora não haja medicação em abundância para distribuição, quem precisou até agora, não ficou sem. E que a avaliação para distribuição do medicamento é criteriosa, para quem realmente precisa. Porém, a informação é contestada por dr. Augusto Cavalcanti: “Pacientes da Unimed de Lorena não têm conseguido medicação prescrita pelos médicos. Não temos remédio na rede particular e não podemos comprar, porque simplesmente não está disponível para venda no mercado. Se houvesse disponibilidade, o Hospital Unimed de Lorena já teria adquirido o Tamiflu, que é profilático e curativo. Se esperar pra dar a medicação somente quando o paciente tiver seu quadro muito agravado, aí ele já estará na UTI e provavelmente entubado. Como esse paciente vai poder ingerir comprimidos?”, diz.
O empresário lorenense Wellington Uchôas, da rede Farma Uchôas, confirma que a medicação não está disponível para venda na região. “O Tamiflu não está nem na lista dos nossos fornecedores aqui da região. Não tem como comprar”.
A enfermeira da Vigilância, Adriane Freitas, disse que a informação recebida é que não há medicação no Estado. E que, quando a Secretaria do Estado disponibilizar, mais remédios vêm para a região. “A tendência é que chegue mais. Não temos uma previsão, mas deve ser nos próximos dias. No entanto, a prioridade é a Grande São Paulo”.
Enquanto isso, a população de Lorena conta com a sorte. E precisa torcer para que o número de doentes graves não seja superior à mínima quantidade de medicamentos que a Vigilância Epidemiológica Municipal conseguiu.
Questionado sobre a possibilidade de uma catástrofe, dr. Augusto foi taxativo: “Sem a vacina, da maneira que está crescendo, a possibilidade é real, com proporções muitos mais graves que a dengue. Quero acreditar que não, mas na atual situação, tenho dúvidas se é possível evitar”.
O que fazer para se proteger, além da vacinação
– Lave as mãos muitas vezes ao dia, sempre que você puder, com água e sabão.
– Ao tossir ou espirrar, cubra o nariz e a boca com um lenço descartável.
– Não se esqueça da limpeza constante e do álcool em gel nas mesas de trabalho, carteiras de escola, portas e maçanetas.
– Hidratação é essencial. Portanto, beba muita água.
– Não compartilhe alimentos, copos, talheres, toalhas e objetos pessoais.
– Tome vitamina C: vale suco de laranja, de limão ou até mesmo em forma de medicamento, de preferência com zinco.
– Evitar ambientes fechados e aglomerações o máximo que puder.
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