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Foto: (Rovena Rosa/Agência Brasil)
COLUNISTAS / Outros papos

O Brasil está perplexo diante da problemática da Cracolândia Paulistana e de toda a polêmica que cercou a questão nas últimas semanas

21/06/2017

Na tentativa de resolver o problema, o prefeito João Dória (PSDB), com apoio do governador do Estado e da Polícia Militar, acreditou que o caso fosse, realmente, problema de Polícia! Ingenuidade e inexperiência à parte, se o problema fosse tão simples, já estaria resolvido… não apenas em São Paulo, como em todos os recônditos desse Brasil.

Em 2012, um levantamento feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), revelou que cerca de 370 mil brasileiros de todas as idades usavam regularmente (pelo menos 25 dias nos seis meses anteriores ao estudo) crack e similares (pasta base, merla e óxi) nas capitais.

Dos 370 mil usuários de crack das capitais, 80% dos usuários eram homens, 80% usavam drogas em local público, 80% eram não brancos,
65% faziam ‘bicos’ para sobreviver, 60% eram solteiros, 40% viviam nas ruas, 40% estavam no Nordeste, 30% das usuárias já tinham feito sexo para obter a droga e 10% das usuárias ouvidas estavam grávidas. Os usuários tinham 8 vezes mais HIV. O tempo médio de uso era de 8 anos, com consumo médio de 16 pedras por dia.

Obviamente que pelo avanço do consumo e do tempo decorrido da pesquisa citada, podemos afirmar que esse número é muito maior. O que observamos é a velocidade do aumento do consumo explodir, arrasando famílias e a nossa juventude enquanto as diferentes esferas de governo, ao contrário, em passos lentos, tentam implantar alguma política pública para a questão que é, sem dúvidas, a maior epidemia de desolação social já vivida.

Historicamente, a questão do uso abusivo e/ou dependência de álcool e outras drogas tem sido abordada por uma ótica predominantemente psiquiátrica ou médica, relegando as consequências sociais, psicológicas, econômicas e políticas, bem como a reabilitação do indivíduo a um plano secundário e menos importante, sem contar a herança preconceituosa, criminalizante e excludente que é perceptível, gerando uma multiplicidade de propostas de tratamentos ineficazes que só reforçam o uso.

A III Conferência Nacional de Saúde Mental, em dezembro de 2001, propôs, dentro da Reforma Psiquiátrica, a política de atenção integral em álcool e outras drogas no Brasil, onde o Ministério da Saúde assume de modo integral e articulado o desafio de prevenir, tratar, reabilitar os usuários de álcool e outras drogas como um problema de saúde pública, uma forma de corrigir a exclusão social e a ausência de cuidados que atingiam de forma histórica e contínua, aqueles que sofriam de transtornos mentais e os dependentes de álcool e outras drogas.

Na proposta federal, a porta de entrada do usuário é a atenção básica através da Estratégia de Saúde da Família (ESF) com o acompanhamento da equipe especializada do Caps (Centro de Atenção Psicossocial), desejável Caps Ad (Centro de Atenção Psicossocial paras Álcool e Drogas), com retaguarda de leitos para internação em hospital geral e unidade de acolhimento onde o usuário em recuperação pode ficar por até seis meses. Propõe também a abordagem aos usuários em situação de rua através do consultório de rua, com equipe capacitada, e de programas para prevenção e de reabilitação psicossocial. Essas propostas são pactuadas com os governos estaduais e municipais com respectivas contrapartidas.

O fato é que querem inventar a roda; o Governo Estadual de São Paulo já fez a proposta de internação compulsória há mais ou menos dois anos. Depois de perceber que não tínhamos leitos suficientes, propôs o que ficou conhecido como Bolsa Crack: R$ 1.350,00 para custear a internação do usuário em clínicas que seriam credenciadas pelo governo. Ao mesmo tempo, o prefeito de São Paulo, na época Fernando Haddad do PT, resolveu montar frente de trabalho (R$ 15,00 por dia) para os usuários na Cracolândia e hospedá-los nos hotéis da região, o que virou piada e tornou-se outro grande fiasco.

Já a gestão do prefeito paulistano João Doria (PSDB) anunciou que vai recorrer até ao Supremo Tribunal Federal (STF) se for preciso, para internar compulsoriamente os usuários de drogas da Cracolândia.

Pelo que percebemos, enquanto União, Estados e Municípios não se entendem dentro das políticas públicas, o número de dependentes e cracolândias só fazem aumentar a maior chaga do Brasil Contemporâneo…

…E enquanto isso, as cracolândias só mudam de endereço.

Referências:
http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,por-apreensao-de-dependentes-doria-cogita-recorrer-ate-ao-stf,70001819420
Benevides de Barros, R & Passos, E Clinica e biopolítica na experiência do contemporâneo. Psicologia Clínica. Rio de Janeiro. PUC/RJ. CTCH, Departamento de Psicologia, v.13, no. 1, 2001, p:91.
Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências – Brasília, 2001.
Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria Executiva. Legislação em Saúde Mental 1990-2002. 3ª Edição. Brasília, Ministério da Saúde, 2002
Brasil, Ministério da Saúde. Sistema Único de Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Organizadora da III CNSM. Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde Mental. Brasília, 11 a 15 de dezembro de 2001. Conselho Nacional de Saúde / MS, 2002

COLUNISTAS / Mafu Vieira

Valdemir Vieira, popularmente conhecido como Mafu, é formado em Enfermagem e Obstetrícia pela Unitau, pós-graduado em Terapia Intensiva e mestre em Enfermagem Psiquiátrica pela Escola de Enfermagem da USP, com trabalhos apresentados no Brasil e exterior, além de responsável técnico de Enfermagem do Caps (Centro de Atenção Psicossocial) – Lorena. Professor convidado nos cursos de pós-graduação da Fatea e outras universidades das cidades vizinhas, palestrante dos assuntos de políticas públicas e motivacionais, Mafu também é formado em Professional and Self Coaching, potencializando as lideranças profissionais em diversas empresas e em áreas distintas. Lorenense nato e ex-vereador, está sempre envolvido e atento aos assuntos da cidade e vem, com a mesma performance de colunista que foi do Jornal Guaypacaré, diretamente para a coluna, de mesmo nome, no Portal “O Lorenense”. Com ele, são “Outros Papos”…



maphus@gmail.com

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