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“Gripezinha que quase custou minha vida”, afirma estudante da USP de Lorena, sobre o coronavírus

07/04/2020

“Se quiser continuar acreditando que é somente uma gripezinha, você que lute, porque eu já lutei o suficiente nos últimos 27 dias”. A afirmação é da estudante Fernanda Montanger Pinheiro, que teve alta neste domingo, 5 de abril, do Hospital Nipo Brasileiro, de São Paulo, onde ficou internada por 12 dias (3 deles na UTI). Aos 20 anos, a aluna da Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP) foi a primeira a entrar na estatística do coronavírus em Lorena, com diagnóstico confirmado e classificado como caso importado (quando a doença é adquirida fora da cidade).

Na casa da família, em Guarulhos, Fernanda usou suas redes sociais pela primeira vez, desde o início dessa reviravolta em sua vida, para fazer um desabafo público. “Demorei um pouquinho para dizer algo sobre toda a situação, porque as últimas semanas foram cheias de altos e baixos”, escreveu em seu perfil, no Facebook. “Mas precisava esclarecer algumas coisas porque me senti atacada. As pessoas começaram a divulgar minhas redes e notícias falsas sobre mim. Isso sem falar nos comentários que machucam… Há muita gente que não pensa que existe uma vida do outro lado da tela e julga, acusa, fala mentiras, sem conhecer os fatos reais”, afirmou Fernanda, ao Portal O Lorenense.

Mais do que esclarecer, o objetivo dela é alertar sobre a gravidade da doença. A seguir, o relato da estudante, que segue em isolamento no próprio quarto, mas conversou com a redação deste Portal de Notícias e fez essa foto especialmente para a nossa matéria:

 

“A resposta positiva para coronavírus veio no dia 23 de março, mas comecei a apresentar os primeiros sintomas no dia 10, o que me leva a crer que possa ter sido contaminada na faculdade, pois estava em Lorena desde o dia 1º de março e voltei para Guarulhos apenas dia 13, já doente. O que, no fim, não vem ao caso, pois não é culpa de ninguém, não tínhamos idéia de que o vírus já circulava entre nós e digamos que minha imunidade pode não ter colaborado.

O primeiro sintoma que senti foi uma dor de garganta extremamente incômoda, que chegou a me deixar sem voz. Como isso costuma acontecer com frequência, nem desconfiei que fosse algo mais grave. Achei que era uma amigdalite, mas por causa da dor, fui até a Santa Casa de Lorena, no dia 11. No atendimento, no Pronto Socorro, a médica olhou minha garganta e disse exatamente assim: ‘Não tem nada não, mas vou te passar um antibiótico’. Não pediu nenhum exame. Também não entendi porque ela me receitou antibiótico, já que disse que eu não tinha nada.

Mesmo assim, não questionei. Fui pra casa crente que não seria nada e segui minha vida normalmente. A dor de garganta desapareceu, mas outros sintomas evoluíram, de modo que, ao fim de uma semana, eu estava muito pior, com tosse, dor no corpo, cansaço, falta de ar e por aí vai. No dia 17, procurei o hospital pela segunda vez. Eu já estava em Guarulhos, no auge do medo, com as aulas suspensas e sem saber o porquê da piora repentina. Fiz exames de sangue, um raio-x e, pela primeira vez, fui informada que era paciente suspeita e precisava ficar em isolamento domiciliar.

Nesse mesmo dia, me disseram que, dificilmente, eu conseguiria fazer o exame para confirmação, pois nem mesmo os hospitais particulares estavam realizando; somente em casos graves e internações. Descontente com toda a situação e sem um diagnóstico concreto, liguei em 9 laboratórios e hospitais, até encontrar um que ainda possuía kits. Esperei 4 horas para conseguir autorização para fazer o exame. Depois disso, foram mais 5 dias de ansiedade e isolamento, aguardando o resultado.

Nesse meio tempo, fiz uma tomografia, que acusou uma pneumonia. Comecei a tomar antibiótico e demais medicações, que já haviam me receitado. No dia 23, recebi a aguardada, mas temida ligação, informando que o resultado estava confirmado. Porém, como ouvi repetidas vezes que, ao fim de 14 dias, estaria tudo bem, segui no meu isolamento domiciliar – moro com minha mãe e dois irmãos, que não apresentaram nenhum sintoma. A expectativa era estar melhor na quarta-feira, quando entraria no 15º dia, desde o primeiro sintoma. Mas não foi isso que aconteceu. Eu já tinha terminado de tomar a medicação prescrita, mas meu quadro não melhorou muito.

Voltei ao hospital no dia 26, quando fui internada pela primeira vez, porque minha pneumonia havia se agravado. Melhorei e tive alta no dia 28, para seguir tomando nova medicação em casa. No dia 29, acordei com uma dor intensa nas costas e mal conseguia respirar. Mas como eu havia acabado de retornar do hospital, hesitei em voltar. No dia seguinte (30 de março), a situação piorou: sentindo muita dor e desconforto respiratório, voltei ao hospital e fui encaminhada direto pra UTI. Após novos exames, descobriram que meu quadro havia evoluído mais e a pneumonia estava muito pior. Inclusive, eu já apresentava uma embolia pulmonar, o que me colocava em risco extremo de morte. Tudo isso provocado pelo vírus! Lembrando que, embora minha imunidade estivesse baixa, não possuo as doenças crônicas que poderiam agravar minha situação, como diabetes, asma ou hipertensão.

No dia 1º de abril, tive alta da UTI, mas continuei internada, porque depois de tantos sustos, quem me mandaria embora sem ter certeza de que estava tudo bem, não é mesmo!? No dia 2, o médico me informou que, mesmo após 23 dias dos primeiros sintomas, o resultado do meu exame continuava acusando positivo e, portanto, eu precisava manter o isolamento, até segunda ordem.

Tive alta domingo, dia 5, finalmente! Tudo que espero é não precisar voltar pro hospital. Mas preciso continuar tomando o anticoagulante por mais 3 meses, devido às consequências do ‘resfriadinho’”.

 

Responsabilidade com a vida

Ciente da gravidade da situação, Fernanda conta que se preocupou com as pessoas ao seu redor desde o momento em que tornou-se suspeita de Covid-19. “Assim que a possibilidade surgiu, já entrei em contato com a faculdade, para saber os protocolos, e avisei todas as pessoas próximas a mim: amigos, colegas de classe, dos projetos que participo e os professores”.

A estudante sentiu-se na necessidade de esclarecer em razão de ter sido atacada por fake news: “Para todos aqueles que disseram que eu fui em festa, desrespeitei a quarentena sabendo que estava doente, viajei pra Europa, fui irresponsável e espalharam minhas redes sociais por aí, o meu muito obrigada, porque querendo ou não, algumas pessoas se conscientizaram pelo meu caso. Mas por favor, tenham mais responsabilidade da próxima vez, inclusive afetiva. Informem-se por fontes seguras, chequem os fatos, ao invés de espalhar notícias falsas e invadir a privacidade de alguém sem necessidade alguma”.

“Para os que estiveram ao meu lado, torceram e rezaram pela minha melhora, mesmo de longe, muito obrigada! Não desacreditei em momento algum, apesar de todas as dificuldades e do medo, porque vocês me deram uma força que nem eu mesma sabia ter. Ainda não posso dizer que estou curada, mas já estou muito melhor, sem dúvida nenhuma, e logo estarei de volta à vida normal”, completa Fernanda, que segue isolada em seu quarto, para proteger a família.

 

Sobre o atendimento em Lorena

Em relação ao primeiro atendimento médico, recebido em Lorena, a estudante diz que relatou toda a situação à Secretaria de Saúde, que comprometeu-se em dar um feedback após contato com a Santa Casa. “Ainda estou aguardando retorno e também já informei à secretária de Saúde que, assim que eu voltar pra Lorena, vou registrar a reclamação formal”.

Procurada pra falar sobre o assunto, a Santa Casa de Misericórdia de Lorena informou que ainda não foi informada oficialmente a respeito dos acontecimentos, mas que, assim que for notificada, tomará as providências necessárias para o esclarecimento dos fatos.

“Com todas essas tribulações, aprendi que tenho que dar mais valor às coisas pequenas. Sou muito grata a Deus, por ter me dado de volta a vida. Tudo isso só me mostra que o amor sempre ajuda a vencer tudo e torna o processo mais fácil de ser vivido”, afirma Fernanda. E finaliza: “Espero muito que todos entendam o quão séria essa doença pode ser e que todo mundo pode estar colocando a vida em risco e a dos outros também. Pessoal de Lorena, se cuidem! Tenham responsabilidade! Não esperem passar por isso ou ter alguém próximo doente, porque não é fácil. O melhor que podemos fazer por todos, nesse momento, é ficar em casa! Se você pode, fique em casa”.

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