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COLUNISTAS / Falando de teatro

Cinderela e a magia do teatro para as crianças

29/04/2015


Durante a minha carreira profissional, escrevi muito para crianças. Na verdade, para adolescentes, pois minhas peças, na verdade, interessavam mais aos senhores espectadores com mais de 12 anos. Em “A Mágica Aventura Africana” (que escrevi em 1987), fiquei traumatizado, pois foi uma peça escrita para crianças com menos idade e, qual não foi minha surpresa quando, na estreia (no Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro), no meio do espetáculo, várias começaram a chorar, assustadas com as figuras representativas dos deuses vindos da África. Nada que a direção não desse um jeito (a peça foi dirigida por um grande amigo, João Gomes) e, no dia seguinte, embrulhados por um efeito de luz mais suave e uma aparição menos sinistra os mesmos deuses, ao invés de assustar, encantaram. Mas o autor ficou intimidado. 
O que eu teria feito de errado quando, nas rubricas do texto, indicava um tratamento mais realista e menos fantasioso? Nunca quis felicitar, pra ninguém. Não escrevo peças com bulas, ou seja, tento não dar indicações desnecessárias ou de um primarismo superficial e ardiloso, que coloca o mistério do enredo no colo do espectador sem que ele tenha que, no mínimo, prestar atenção no que está acontecendo e pensar minimamente no contexto proposto para seguir se deliciando com o espetáculo. Acredito na inteligência e na sensibilidade de quem vai assistir a minhas peças. Mas ao que parecia, naquele caso, tinha errado na mão. 

Aprendi, no entanto, ao longo do caminho, que o texto, no teatro, não caminha sozinho. Assim como um livro ganha asas quando sai das mãos do autor, um texto de teatro também caminha com suas próprias pernas quando sai da imaginação do dramaturgo e encontra pela frente o diretor, o cenógrafo, o figurinista, o iluminador e, principalmente, os atores. 
O texto do teatro não fica nas páginas do livro ao bel prazer da imaginação de quem lê. Ele ganha uma forma, um conceito, um direcionamento apontado pela montagem. E, muitas vezes, vai para um caminho totalmente diferente do imaginado pelo dramaturgo. E esse foi um dos motivos que me fez dirigir meus próprios textos, em sua grande maioria. Não que tivesse alguma desconfiança nos diretores, nada disso – é igualmente prazeroso dar de cara com uma versão inusitada, inesperada e muitas vezes antagônica de suas linhas – mas queria, mesmo, participar de todas as etapas dessa aventura que é levar um texto à cena. 

No último final de semana tivemos no Teatro Teresa D’Ávila duas apresentações do espetáculo “Cinderela”, esse sim, dirigido a crianças de menos idade (e para os adultos que ainda se encantam – por sorte – com histórias que são eternas). Muitos adolescentes, meus alunos das oficinas, estavam temerosos e achavam que não gostariam do espetáculo: “muito previsível”, “coisa de criança”, diziam eles! Mas estavam todos lá e adoraram. 
Em parte tinham razão! O que seria tão ou mais previsível que a história da Gata Borralheira? Por que ir ao teatro para assistir a uma história que conhecemos desde o berço? Ainda mais quando se tem, no mesmo momento, uma incrível versão cinematográfica? Respondo: a magia do teatro! Ver ali, ao vivo, ainda que em efeitos mais modestos e mecânicos que na grande produção cinematográfica, a abóbora virar carruagem, um par de ratos virar cavalos e a veste pobre e chinfrim da serviçal se transformar, na frente dos nossos olhos, num vestido de princesa.  

No final do espetáculo, um monte de crianças se enfileirou para tirar fotos com a Cinderela e com o Príncipe. E a coisa mais curiosa e emocionante era ver, nos olhos da criançada, que mesmo longe do palco e da magia proporcionada pelas luzes e outros efeitos, o encantamento continuava – ninguém via ali, no corredor do teatro, em frente da cantina, o par de atores que representara as personagens, mas a própria princesa e seu consorte – ou seja, a fantasia sobrevive sempre, para aqueles que acreditam nela. 

COLUNISTAS / Caio de Andrade

Dramaturgo, diretor e produtor teatral, Caio de Andrade nasceu em Lorena (SP), no dia 25 de novembro de 1960, e construiu sua carreira no Rio de Janeiro.

Formado em jornalismo, trabalhou na TV Manchete e SBT.

Ao longo de seus dez anos na televisão, fez inúmeros cursos e oficinas de teatro, chegando a dirigir alguns espetáculos. Nos palcos, como autor e diretor, vem construindo uma ponte entre o teatro e a história do Brasil. Foi o criador do Projeto História em Cena, no Centro Cultural Banco do Brasil – RJ, que levou milhares de estudantes ao teatro ao longo dos seus três anos de existência.

Participou de encontros com importantes companhias inglesas, na área de teatro-educação e de inúmeros festivais no Brasil e no exterior.  É, hoje, um dos profissionais de teatro mais atuantes e premiados da sua geração.

Foto por: Rodolfo Magalhães


cdeandrade@uol.com.br

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