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COLUNISTAS / Outros papos

Saúde em foco – Parte 3

03/12/2014

Independência ou morte: o outro lado da história
Pintura de Pedro Américo de 1888, retratando o rito do Ipiranga, que em nada retrata a realidade do epsódio

Com a Europa mais tranquila, Dom João VI volta para Portugal, deixando o Príncipe Regente, Dom Pedro I, no Brasil. Com 1,66m de altura e o rosto coberto de espinhas, Dom Pedro era famoso por ser insaciável sexualmente, simpático, simples, sem formação, mas muito inteligente e poliglota. 
Em meados de agosto de 1822, partiu com alguns homens do Rio de Janeiro rumo a Santos, em viagem ministerial. Como a viagem era longa, viajavam montados em mulas e com calças folgadas e camisões, nada tão garboso como a pintura do quadro de Pedro Américo de 1888, que, aliás, alguns autores afirmam ser plágio de outro quadro que retratava as vitórias napoleônicas. Ao entrar no “Caminho Novo” (atual rodovia dos tropeiros), foram recebidos com festas em Bananal, Lorena, Guaratinguetá, Pindamonhangaba, Taubaté, Jacareí, Mogi das Cruzes, até a chegada a São Paulo, até então uma cidade pobre e sem glamour no planalto de Piratininga, onde vem a conhecer Domitila, a famosa Marquesa de Santos, sua grande paixão. Vários homens do Vale do Paraíba integraram sua comitiva, numa viagem longa e cansativa, abrindo picadas pela mata do sertão.
Em Santos, foram recebidos com festas e banquetes regados a bebidas e carne de porco. Relatos que o príncipe era glutão, grosseiro e que comia com a mão até passar mal, reforçam a história relatada pelos companheiros de viagem – seus costumeiros e inoportunos problemas gastrintestinais (alguns pesquisadores acreditam que ele sofria de alguma patologia relacionada a vermes, o que era muito comum naquela época).
Ainda saindo de Santos, voltando para São Paulo, Dom Pedro começou a sentir fortes cólicas abdominais, tomou chá de folha de goiabeira e água com farinha de mandioca. Porém, subindo a Serra pela calçada do Lorena, a dor voltou forte, o que o obrigou a parar repetidamente e adentrar no mato, onde evacuava irritado atrás da primeira bananeira ou arbusto que encontrava.
Lá pelas 4 horas da tarde, já na colina do Ipiranga, parou para mais uma evacuação quando, ainda amarrando as calças, foi surpreendido por um mensageiro real, com cartas de José Bonifácio e de Dona Leopoldina, sobre as pretensões portuguesas em sufocar os movimentos pela Independência do Brasil. Alguns autores relatam que não houve nem o famoso Grito, pois irado com as dores das cólicas e a pressão portuguesa, cansado e sujo de fezes, falou por repetidas vezes em independência, reuniu-se com a guarda, pedindo a eles que retirassem os laços que simbolizavam as cores da coroa portuguesa dos chapéus. 
Indagado sobre o que fariam se os soldados portugueses que estavam no Rio de Janeiro os atacassem, ele respondeu que “lutariam até a morte, mas que jamais se submeteria às ordens de Lisboa”. Foi assim que se deu a Independência do Brasil, com muita dor de barriga, e iniciou-se o Brasil Império, único país das Américas a ter uma monarquia. Os primeiros passos não transformaram nossa sociedade em tão independente assim, pois o Brasil saiu de um Colonialismo explorador para um Império absolutista e autoritário (com 4 poderes, sendo o moderador exercido por ele, rural e escravocrata), mas foi crucial para manter um país de dimensões continentais unido, sem a fragmentação em várias repúblicas, como ocorreu com a América Espanhola, cuja unidade fora o grande sonho de Simon Bolívar.
As teorias miasmáticas ditavam o pensamento científico na época e preconizavam, entre outros fatores, que as doenças eram consequências da respiração de um ar podre e das condições sanitárias. O código de posturas das câmaras municipais regia o comportamento e as obrigações que a população teria de realizar, como a varrição e capina da ruas, por exemplo. Assim, tanto na corte carioca quanto nas cidades brasileiras, as medidas sanitárias, como dragagem dos pântanos e construções de valas para escoar os esgotos domésticos, o uso da latrina e fossas assépticas começaram a fazer parte da sociedade Imperial.
Nas fazendas do Vale do Paraiba paulista e fluminense, o café se tornou rapidamente o ouro negro e essa riqueza fez crescerem as vilas e cidades e nascerem as senzalas e casas grandes dos barões que despontavam imponentes, assobradadas, com dezenas de janelas de guilhotina, portas, alcovas, salões. Corredores, pátios e grandes cozinhas, sacadas de ferro, alpendres, colunas de granito, madeira ou ferro, forros de tábuas pintados ou decorados a ouro, lustres de cristais importados, armários imensos para guardar os aparelhos de porcelana francesa ou inglesa, cristais, compoteiras e vinhos finos, escadarias de pedra e mármore, sótãos, capelas internas ricamente decoradas com entalhes, castiçais e imagens de madeira douradas a ouro. Os forros e paredes das salas decoradas com painéis e pinturas de caça, bosques, jardins, paisagens européias e mitológicas executadas por pintores espanhóis, franceses e italianos que, em geral, apresentavam estilos clássicos ou renascentistas, quebravam a monotonia das casas e alimentavam o lúdico de crianças, mucamas e sinhazinhas, dando a nossa região, também, uma importante influencia política no governo e assembleia legislativa provincial.
Desde a primeira legislatura (1835), não havia a Comissão de Saúde na Assembleia Paulista. Porém, a explosão demográfica da capital e a exigência dos imigrantes Italianos, espanhóis e alemães, que já iniciavam em algumas fazendas que libertaram os escravos antes mesmo da Lei Áurea, para que as autoridades tomassem atitudes frente às constantes epidemias de febre amarela, malária, varíola e o grande número de mortes pela tísica (tuberculose) e lepra (hanseníase), fez que, em 1886, se criasse no legislativo provincial paulista a Comissão de Saúde, passando assim a exigir uma postura mais contundente do Governador Provincial. 
Esse era o retrato do Brasil, um lugar quente e úmido, onde as doenças tropicais e as trazidas por europeus e africanos, aliadas com as nascentes cidades sujas e sem saneamento, com uma massa de vadios que viviam à margem de uma sociedade escravocrata e sem emprego, com uma infinidade de doenças, epidemias e parasitoses das mais diversas, com péssimos e raros tratamentos de saúde, mergulhadas num caos político, econômico e social.
Para dar uma resposta à sociedade, a Princesa Isabel assina a Lei Áurea em 1888, abrindo o caminho para a Proclamação da República em 1889 e, com ela, grandes medidas sanitárias e revoltas populares, como a “Revolta da Vacina”, eclodem no seio da Pátria Mãe, nem sempre tão gentil assim.

COLUNISTAS / Mafu Vieira

Valdemir Vieira, popularmente conhecido como Mafu, é formado em Enfermagem e Obstetrícia pela Unitau, pós-graduado em Terapia Intensiva e mestre em Enfermagem Psiquiátrica pela Escola de Enfermagem da USP, com trabalhos apresentados no Brasil e exterior, além de responsável técnico de Enfermagem do Caps (Centro de Atenção Psicossocial) – Lorena. Professor convidado nos cursos de pós-graduação da Fatea e outras universidades das cidades vizinhas, palestrante dos assuntos de políticas públicas e motivacionais, Mafu também é formado em Professional and Self Coaching, potencializando as lideranças profissionais em diversas empresas e em áreas distintas. Lorenense nato e ex-vereador, está sempre envolvido e atento aos assuntos da cidade e vem, com a mesma performance de colunista que foi do Jornal Guaypacaré, diretamente para a coluna, de mesmo nome, no Portal “O Lorenense”. Com ele, são “Outros Papos”…



maphus@gmail.com

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