Em 7 de janeiro deste ano, a redação do jornal francês Charlie Hebdo foi alvo de ataque. Dois atiradores encapuzados entraram na redação atirando, mataram 12 pessoas e outras 11 ficaram feridas. Desde então, iniciou-se uma discussão de que o jornal é responsável pelo ataque por causa de suas charges que há anos “satirizam” todas as religiões.
Matar em nome de Alá, de Deus, é inaceitável, isso é óbvio. Mas essa atrocidade infelizmente já aconteceu. Agora precisamos discutir e ponderar sobre o acontecido. Para isso eu pergunto: ofender a fé do outro é liberdade de expressão? Com isso eu não quero justificar a atrocidade cometida contra 23 pessoas, isso nunca. O que quero é refletir se o que o jornal fazia era exercer a liberdade de expressão.
No Brasil a liberdade de expressão está prevista na Constituição Federal, bem como a liberdade religiosa, ambas no artigo 5º, e quem humilhar a crença do outro comete crime, segundo o Código Penal, artigo 208:
Art. 208. Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa;
Pena – detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa.
A liberdade de expressão consiste no direito que todo cidadão possui de expressar sua opinião, sugestões, ideias, pensamentos, sentimentos e outras formas de manifestações. Na França, a liberdade de expressão foi prevista pela primeira vez no artigo 11 da Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789, onde proclama a liberdade de imprensa assim:
‘A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem: todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei’.
Esse artigo foi regulamentado na lei de 1881, vigente até hoje, com modificação somente na parte final do artigo anterior, no que diz respeito à resposta ao abuso cometido pela imprensa, o chamado crime de imprensa, e ficou assim definido: ‘exceto se for necessário responder ao abuso dessa liberdade nos casos determinados pela lei’.
O crime de imprensa francês foi definido nesta lei e sofreu acréscimos com os tempos através das alterações posteriores, tais como difamação, injúria, provocação ao ódio, aos crimes e delitos, segredo de instrução, publicação intencional de notícias falsas, o ultraje aos bons costumes para limitar a pornografia, zelar pela proteção da infância, punir a apologia dos crimes de guerra ou a colaboração com o inimigo e o negacionismo (do holocausto), ou ainda proteger os direitos individuais.
O jornal francês se utiliza de pseudo-sátiras para humilhar todas as religiões sob a alegação de agir autorizado pela liberdade de expressão. Será que isso não seria provocação ao ódio? Entendo que sim, uma vez que o jornal recebe ameaças desde 2006 por causa de suas charges. Basta ver as imagens que fica claro que é provocação ao ódio religioso, em geral, e por qualquer uma delas. Os atiradores que se dizem muçulmanos reagiram com violência extrema pois entendem que somente assim “vingariam” as ofensas publicadas semanalmente pelo jornal.
Até entendo quem posta nas redes sociais “je suis charlie hebdo” porque foi horrível o que aconteceu, mas quem se diz ser Charlie Hebdo não se diz somente contrário às mortes, mas diz também que aceita as ofensas religiosas feitas pelo jornal. O melhor seria dizer ser contra a intolerância, a brutalidade, a violência, ou ainda dizer ser a favor da paz e do respeito ao próximo.
Diante disso tudo, podemos afirmar que o jornal ultrapassou o limite da liberdade de expressão para justificar uma incitação ao ódio religioso. Tem aquela velha máxima, “a pena é mais forte que a espada”, que foi escrita pelo filósofo Voltaire, mas significava que a espada começava a guerra e a pena/caneta acabava com ela. Nesse caso do atentado ao Charlie Hebdo, foi a pena que começou a guerra.