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Reflexão: o que tem sido feito para as pessoas com deficiência visual em nossa região?

26/01/2015

Essa semana não foi tão fácil escrever. abri meu bloco de notas e fiquei tateando meu teclado, como se as letras não conseguissem ganhar uma ordem e uma sequência lógica. Queria falar sobre tanta coisa e ao mesmo tempo tudo me parecia vago demais. 
Não foi uma crise de falta de inspiração; talvez tenha me faltado coragem de assumir que as nossas cidades aqui do fundo do Vale têm contribuído pouco, ou quase nada, para que as pessoas com deficiência visual conquistem sua cidadania. Essa estagnação me incomoda, porque de certa forma sinto-me também responsável para fazer girar essa engrenagem. Mas sozinha, dificilmente consigo fazer o papel que o setor público deveria se empenhar em pelo menos começar. 
Falo sobre deficiência visual porque é essa a minha realidade. Embora minha cegueira não tenha sido obstáculo para as minhas conquistas e participação social, fiz com que minhas lutas não se tornassem apenas uma bandeira pessoal, mas que o meu olhar, do ponto de vista profissional, pudesse vislumbrar novas possibilidades de ação.
 
Alegro-me demais em poder utilizar os espaços que me são cedidos para noticiar um evento com acessibilidade, uma conquista da pessoa com deficiência e sua visibilidade diante das ações que pareçam mais simples aos olhos da sociedade. A comunicação acessível é, de fato, uma mola propulsora para que outras ações saltem do papel para a vida prática e atinjam positivamente esse grupo ainda esquecido.
Muito embora a educação seja a porta de entrada para qualquer avanço legítimo no que se refere à inclusão, não é a educação inclusiva a única responsável para inserir a pessoa com deficiência na sociedade. Já virou clichê no universo educativo, mas a matrícula desses alunos não garante a permanência deles nesse espaço. São professores na maioria desesperados e despreparados, material didático ampliado ou em Braille que quase nunca chegam em tempo, adequações feitas sem quaisquer parâmetros ou investigação mais detalhada sobre qual a melhor maneira de fazer bem feito. Salas de recursos sucateadas ou desativadas.
Por outro lado, os problemas da educação não atingem apenas as pessoas com deficiência, mas supondo que elas tivessem condições de frequentar com dignidade uma escola, como se deslocariam de seus lares até lá? Entramos aí numa segunda questão: a mobilidade urbana e a constante dificuldade de locomoção pelas calçadas quebradas, esburacadas, desniveladas, o uso do transporte público e até mesmo o mau uso das vagas exclusivas reservadas ao estacionamento de veículos que transportam pessoas com deficiência e mobilidade reduzida.
Competir por uma vaga no mercado de trabalho também é uma batalha desleal, porque a lei de cotas passa a ser prioridade para as empresas apenas porque querem fugir da multa. Participar da economia do nosso país não é tão simples assim, porque são raras as vezes que pessoas com deficiência visual conseguem ser vistas como consumidoras. Produtos, estabelecimentos e serviços sem acessibilidade fazem crescer a fila do descaso, que nada tem de preferencial.
A questão é muito mais complexa do que se imagina. Essa falta de estrutura já alienou muita gente, inclusive as próprias pessoas com alguma deficiência. Talvez muitas delas esperem receber caridade quando deveriam lutar por dignidade. Pode ser muito mais cômodo viver em guetos do que desafiar a sociedade para uma mudança de atitude e talvez por isso seja tão raro ver pessoas com deficiência participando de cabeça erguida do mundo feito para quem enxerga.
A ideia de que incluir custa caro ainda está impregnada na mente das pessoas. Essa premissa vem do fato de que as diferenças saltam aos olhos daqueles que se julgam “normais” e, por isso, qualquer nova adequação será para uma minoria.
Não será apenas o cego beneficiado por uma calçada sem buracos, assim como o recurso da audiodescrição poderá atingir também pessoas idosas ou analfabetas. O atendimento prioritário não é luxo, mas supõe que quem está ali necessite de algo específico, que maximize sua participação. Rótulos de produtos com inscrição em Braille deixam as embalagens ainda mais bonitas, além de levar o conhecimento dessa escrita para a sociedade. Livros sonoros podem ser um ótimo recurso também para entretenimento das pessoas que enxergam e que ouvem uma obra enquanto estão no trânsito, na academia ou no trabalho.
A educação inclusiva é enriquecida com a presença de alunos com deficiência visual, porque incorpora novas práticas e diferentes linguagens para produzir uma comunicação acessível com toda a turma. Fica muito mais divertido, por exemplo, conhecer o mapa do Brasil através de peças que são encaixadas ou de realizar uma operação utilizando material dourado, ábaco, tampinhas de garrafa ou desenhos em relevo.
Conviver com um colega de trabalho com deficiência pode representar um grande impulso para a sua própria carreira. Assim como adaptar um posto de trabalho significa considerar que o serviço ou produto oferecido para o mercado também será consumido por pessoas com deficiência. A empresa deve entender a necessidade do seu funcionário, conversando sempre. Talvez ele terá uma solução fantástica, diferente daquela pensada apenas para satisfazer a lei de cotas. Existem softwares gratuitos para computador e soluções de baixo custo que podem transformar uma empresa numa grande parceira da inclusão e da acessibilidade.
Por último, respeitar uma vaga de estacionamento exclusiva e uma fila preferencial é obrigação de qualquer cidadão. E se não há fiscalização suficiente, seja você o exemplo de que a acessibilidade atitudinal contagia quem está ao redor. Esse é um vírus muito saudável! 

COLUNISTAS / Luciane Molina

Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá).  Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban  e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores.  Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.


braillu@uol.com.br

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