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COLUNISTAS / O saber acontece

Interpretações de textos

05/02/2015

A clareza no momento de escrever é algo que me é caro. Textos confusos atendem àqueles que provocam o desentendimento para, depois, fornecer a seu preço a solução. Os próprios “operadores do direito” assumem esse papel. Basta ver a formação de boa parte dos legisladores para entender a reserva de mercado feita para esses profissionais que se utilizam do texto – e de suas múltiplas interpretações – para viver. A lei que deveria ser clara, direta e representativa dos anseios de uma população, de uma sociedade, passa a ser matéria de natureza obscura e interpretativa ao bel prazer de quem a lê.
Assim, foi com surpresa e frustração que vi a forma como os avaliadores corrigiram a parte de interpretação de texto de uma prova de concurso público. No meu entendimento, a interpretação foi equivocada. Mas, como são eles os juízes soberanos da correção, pouco resta a não ser lamentar. Uma das questões é temporal: dizer que foi realizado um trabalho com crianças separadas na segunda guerra mundial não quer dizer, necessariamente, que tal estudo tenha acontecido durante a tal guerra. É claro que a condição de criança não dura por muito tempo, mas se crianças de 1-2 anos foram assim separadas e, se esse estudo aconteceu quando elas tinham 6-7 anos, a guerra já passara e elas não perderam a condição infantil. Mas não foi assim que a banca entendeu e considerou que, se o trabalho foi feito com crianças separadas na guerra, somente poderia ter sido realizado durante a guerra.
Outra questão é mais crítica, pois pressupõe um dos sistemas basilares da interpretação, que é o caráter restritivo de afirmações. Segundo um estudioso, mãe suficientemente boa é aquela que dá todas as condições para a criança se desenvolver. Oras, pela própria situação, o estudioso admite que existam mães que não se encaixam nessa condição e, por algum motivo, deixam de cumprir essa função de mãe suficientemente boa. Assim, nem todas as mães serão suficientemente boas. Novamente, a banca entende que está explícito no texto que todas as mães são suficientemente boas.
Enfim, recursos apresentados, não acolhidos e resta a preocupação de que o concurso foi para professores, para aqueles que serão exemplos e modelos no processo de aprendizagem. Quiçá esses entreveros sejam apenas cismas minhas e que não interfiram muito na formação de nossos jovens e adultos.

COLUNISTAS / Adilson Gonçalves

Pesquisador científico, formado em Química pela Unicamp. Foi professor na EEL-USP, em Lorena, por 20 anos, e atua na pesquisa de biocombustíveis e conversão de biomassa vegetal. Presidiu o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Lorena por dois mandatos e é membro fundador da Academia de Letras de Lorena, tendo sido seu presidente por quatro anos.


priadi@uol.com.br

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