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Enxergar o mundo através das redes sociais

06/05/2015

Acompanhar os programas veiculados na tevê enquanto navego pelas redes sociais tem sido uma boa alternativa para preencher as lacunas da falta de acessibilidade aos conteúdos midiáticos por pessoas cegas. Os comentários durante a exibição de uma reportagem, por exemplo, complementam aquilo que não posso ver, mas que, como qualquer telespectador, tenho curiosidade em saber.
 
Desde uma expressão bizarra do galã da novela até um vestido fora de moda de uma apresentadora, é na rede social que a audiodescrição se faz presente, complementando o que os ouvidos não alcançam. E quando bate a dúvida, basta perguntar que a resposta não tarda a chegar. Já foi assim no último capítulo de uma novela, cuja cena final foi absorvida por uma música interminável, ocultando o conteúdo para quem não estava com os olhos fixos e funcionais. Recorri ao Facebook e me lamentei pelo final tão sem graça. Antes tivesse ficado sem saber mesmo… assim guardaria a expectativa de um desfecho surpreendente e não tão clichê.
 
O Twitter, com sua incrível capacidade de interação, ganhou minha preferência nessa busca imediata por muitos detalhes no momento em que os programas são exibidos. Passou a ser minha segunda tela, principalmente por conta da velocidade em que as informações são trocadas e convertidas em descrição de uma legenda, um movimento no palco ou um cenário diferente.
 
Foi então na quarta-feira, 29 de abril, que alguns tweets me chamaram atenção durante o Jornal Nacional. Fiquei sabendo em apenas 140 caracteres que algo estava diferente na bancada do JN, entre cenário, movimento de câmera e posição dos apresentadores. Soltei, num impulso, uma pergunta aos meus seguidores, chamando-os a uma descrição do que estava na telinha. A resposta veio poucos segundos depois, ainda antes do primeiro intervalo comercial.    
 
Pelos olhos atentos e dedos ágeis do fotógrafo Eder de Carvalho, de São José do Rio Preto – SP, enxerguei aquilo que queria tanto ver. Foram somente cinco mensagens que resumiram, com muito primor, o que estava causando grande murmurinho nas redes sociais. As mensagens diziam:
 
“Está um azul mais escuro. A câmera está se aproximando mais dos apresentadores. O Willian fica em pé algumas vezes”. 
“Tá dando um ar mais informal, de mais aproximação com os telespectadores”.
“Continua a bancada, só que mais baixa”.
“O painel agora fica na lateral e é gigante. Por isso que o Willian se levanta. Ele conversa com correspondentes ‘lado a lado’”.
“Dá a impressão que o Willian e o correspondente estão no mesmo plano porque a tela é maior que eles”.
 
Carvalho, que tem 25 anos, é formado em Rádio, TV e Internet. Ele  contou que uma das disciplinas que cursou na faculdade de Comunicação incluía a audiodescrição.  “Me dediquei totalmente fazendo pesquisas sobre esse tipo de trabalho e consultando pessoas na qual esse trabalho é destinado”, revelou.
 
Para essa disciplina, apresentou a audiodescrição do filme O rei Leão e recebeu elogios do professor. Depois disso, o estudante entregou todos os outros vídeos da faculdade com o recurso da audiodescrição e diz que gostaria de trabalhar oficialmente como audiodescritor. ‘Sempre que vejo uma pessoa com deficiência (seja ela qual for), eu pergunto se posso ajudar’, completou ele.
 
Ao ser questionado sobre o que o motivou a descrever um simples cenário de um telejornal, ele respondeu que da mesma forma que ajuda pessoas pessoalmente, sentiu vontade de também ajudar virtualmente e que isso o realiza. Considera ter vocação para esse ofício. ‘Nunca me senti tão profissional e com alta autoestima quando empresto os meus olhos para fazer uma audiodescrição’, concluiu.
 
Incluir acessibilidade em conteúdos midiáticos vai além da gentileza em escrever tweets que satisfaçam as curiosidades pontuais de um ou outro cego internauta. A atitude também inclui descrição ou legendas de fotos publicadas no Facebook, veiculação de vídeos com audiodescrição e também a coragem de fazer a diferença, compartilhando as imagens através de palavras. Certamente elas ganharão forma na mente de tantas outras pessoas, atravessando fronteiras  além da luz.

COLUNISTAS / Luciane Molina

Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá).  Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban  e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores.  Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.


braillu@uol.com.br

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