Por Heron de Freitas Santiago
Tudo começa com o chamado tímido da criança menina mais velha na sacada – mais entediada do que tímida – para criança menino mais novo do outro lado da rua.
Dois magros braços encolhidos junto ao corpo.
Mãos abaixo do queixo.
Só os quatro dedos da mão direita e a franja sobre as sobrancelhas se movem com o chamado.
Calado.
O recado chega.
A resposta da criança menino mais novo é abandonar o que está fazendo e ir até o adulto do dia pedir para brincar.
O pedido.
A permissão.
A grande travessia da rua bravia.
A chegada.
Brincadeira e diversão indiferentes, desleixadas, em conjunto e solitárias.
O tempo não voa praticamente teleporta-se para a reconvocação do adulto do dia.
Nada importa.
Hora de ir embora.
Rompimento submisso, mas sem drama, sem sofrimento, só suficiência.
Um chorinho de tempo para brincar e o tchau para criança mais velha.
Platônica.
Fetiche.
Um tchau para o resto adulto também (protocolo, se não castigo).
A travessia bravia na volta – sem amanhã para pensar.
Cada chamado da menina não era esperado, não era sofrido.
Por isso, inclusive, não sei por que parou ou quando parou.
Nem notei, mas a nostalgia voltou quando sentei esses dias na mesma varanda e olhei para a sacada opaca no outro lado da rua, completamente órfã de menina.
Aquelas cores agora, só dentro de mim porque a sacada não me cabe mais e a menina já é uma mulher desconhecida.
Por outro lado, a suficiência, depois de vinte e tantos anos está mais que de volta à minha varanda.
Seja bem vinda! Hoje sou eu o adulto do dia.
Fique à vontade, não temos hora para parar de brincar.
Sobre o autor:
Heron de Freitas Santiago, lorenense, vinte e seis anos e é membro fundador da AJLL. Com uma criação diversa e repleta de boa vontade, cresceu sendo estimulado à pluralidade e à integração de conceitos. Tendo as artes plásticas como expressão artística primária, procura compor seus textos de forma libertária, sem amarras de qualquer espécie, para traduzir com propriedade o que transborda de si.
Esse texto é de exclusiva responsabilidade do autor. A AJLL não se responsabiliza pelas possíveis opiniões aqui apresentadas. Respeitamos a criação literária de cada autor, difundindo linguagem literária de linguagem gramatical, em textos que julga ser necessário