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Aprendendo o alfabeto Braille

29/05/2015

Nessa semana, vamos falar mais um pouquinho sobre o Braille que, embora já esteja incorporado em meu dia a dia, ainda é um objeto oculto pra muita gente. Percebo isso com maior intensidade quando em contato com outros professores, que julgam não serem os responsáveis por compreenderem essa forma de escrita, porque, segundo eles, existem os especialistas. Continuam, afirmando que a jornada docente não dá conta de atender aqueles alunos amontoados num espaço pouco desafiador e que o poder público não assume a oferta de uma formação para lidarem com as questões da cegueira.
Então, vamos esclarecer alguns pontos acerca do Sistema Braille, para que não fique dúvida de que o professor do ensino regular também  deve contribuir para a inclusão do aluno com deficiência visual em suas aulas. Reforço que o que apresento aqui é de longe suficiente para que um professor se torne um um “braillista”, mas quero comprovar que é simples e fácil aprender Braille, começando por esses poucos conceitos.
Criado na frança do Século XIX, o código de leitura tátil e escrita surgiu das mãos do jovem Louis Braille, um menino cego de apenas 15 anos de idade. Descobriu que combinando pontos salientes, era possível ler o mundo e registrar grandes histórias através dos tempos. Pessoas cegas libertaram-se da prisão intelectual e ganharam, vagarosamente, um espaço no campo acadêmico, visibilidade que até hoje está em constante expansão.
O Sistema Braille foi organizado numa estrutura retangular, onde cabem seis pontos em duas colunas verticais. Essa estrutura foi denominada ‘cela’ Braille e cada um dos seis pontos ocupa uma posição, sendo enumerado de 1 a 6, conforme a figura abaixo. 
 
Como a ‘cela’ Braille deve caber debaixo da ponta dos dedos, seu tamanho é bastante reduzido e de difícil percepção por dedos não treinados. Assim, dizer que a alfabetização é feita diretamente no papel é assumir os riscos de uma leitura fracassada. Também é equivocado vendar pessoas que enxergam para que experimentem esse aprendizado. Assim, pessoas cegas precisam passar pelo estágio pré-braille, com atividades que desenvolvam a percepção tátil e a coordenação motora; e pessoas que enxergam lerão o Braille olhando para os pontos, a partir da imagem que formam deles no papel.
O pré-braille inclui atividades com massinha de modelar, atarraxar e desatarraxar tampas, encaixar peças em quebra-cabeça, estourar plástico bolha, amassar ou fazer canudinhos com papel, construir origami, pintar figuras com contorno em relevo, furar em superfícies macias e em direções variadas, passar o dedo sobre linhas de diferentes tamanhos, retas, inclinadas, curvas, tracejadas ou pontilhadas, encontrar semelhanças e diferenças em um conjunto de objetos, elencar pares, classificar, identificar e reconhecer modelos como repertório de figuras, entre outros. O pré-braille também deve trazer o conceito da ‘cela’ Braille, numa estrutura em escala ampliada e com círculos que se movimentam para formar letras e combinações. O material comumente utilizado é o alfabraille, conforme figura abaixo.
Além do alfabraille oficial em material emborrachado, é possível improvisar, usando caixas de ovos e bolinhas de isopor, cartuchos de comprimidos, botões em superfícies vazadas e qualquer outra construção que explore sua criatividade para agrupar seis pontos em duas colunas verticais. Essa fase exige um bom domínio dos conceitos numéricos, espacial e de lateralidade, incluindo posições com base em outras, como por exemplo, a compreensão de que o ponto 2 fica abaixo do 1 e ao lado esquerdo do 5; que o ponto 4 fica ao lado direito do 1 e acima do 5 e que o ponto 6 é o último da coluna da direita.
Retirar e acrescentar pontos é um ótimo exercício inicial e aprender as letras do alfabeto se torna uma tarefa divertida. Braille não se configura como uma linguagem, ele é apenas um código e, como tal, possui lógica própria. Afirmo que é simples e fácil aprender o alfabeto, conforme figura abaixo.
 
No quadro eu apresento as dez primeiras letras do alfabeto, porque foi assim que o genial Louis Braille estruturou seu sistema: em séries de sinais, contendo dez elementos em cada uma delas. Também é pertinente destacar que com apenas seis pontos é possível construir 63 sinais diferentes, mais o espaço vazio, que também é considerado como uma combinação válida, ampliando as possibilidades para 64. 
Como podem verificar, as letras de ‘a’ até ‘j’ possuem semelhanças aos pares. Essas semelhanças são chamadas de letras em espelho e confundem muito o novo aprendiz. Uma boa estratégia é criar uma imagem representativa para cada formato de letra. chamamos isso de simbolismo e simbolizar depende das experiências particulares de cada pessoa. Por exemplo, alguém olha para a letra ‘g’ e enxerga um quadrado; outra pessoa, porém, acredita enxergar ali um fogão de quatro bocas. A letra “e” pode ser uma descidinha, enquanto que a letra ‘i’ é uma subidinha. A letra ‘j’ lembra o formato dessa mesma letra em tinta. E assim por diante… Temos que para a primeira série de sinais não utilizamos nem o ponto 3, nem o ponto 6, que ficaram vazios nos dez sinais.
Será que você agora já consegue ler as palavras do quadro abaixo?
 
O detalhe está justamente aí. Quando se aprende a primeira série de sinais com precisão, aprende-se junto todas as demais letras do alfabeto simples. Por isso dizemos que essas dez primeiras letras são as matrizes do código Braille. Vejamos agora a segunda série de sinais no quadro abaixo.
Se você, leitor, for atento, certamente percebeu que a segunda série de sinais, formada pelas letras de ‘k’ até ‘t’ usa exatamente as mesmas combinações anteriores, acrescidas somente do ponto 3. Assim, a letra ‘k’ é o mesmo que ‘a’ mais ponto 3; a letra ‘l’ é ‘b’ mais ponto 3 e assim por diante. O aprendiz também deve usar a mesma estratégia da imagem mental, ou seja, identificar a letra pelo seu formato. A letra ‘n’ pode lembrar o formato de uma orelha, enquanto que a letra ‘t’ parece uma cadeira.
Já a terceira série de sinais, que compreende a sequência das últimas letras do alfabeto, sendo elas ‘u’, ‘v’, ‘x’, ‘y’, ‘z’, ‘ç’ também é formada pela combinação da primeira série, acrescida dos pontos 3 e 6, respectivamente. A letra ‘w’ não aparece na sequência porque, e, princípio, o sistema Braille foi pensado para atender o alfabeto francês e, por isso, esta letra só foi acrescentada doze anos mais tarde. Veja no quadro abaixo.
A ‘cela’ Braille completa aparece aí para informar que as letras com acento ou  diacrítico tem uma combinação diferente das demais vogais. Nesse caso, quando preenchemos os seis pontos temos a letra ‘é’. Agora leia mais palavras no quadro abaixo. 
Viu só como não é difícil aprender o sistema Braille? Ainda temos outras muitas configurações pontográficas para representar letras maiúsculas, numerais, sinais de pontuação, simbologias específicas como musicográfica, aritmética, química e informática, mas considere-se capaz de ler as sinalizações nas portas de banco, rótulos de produtos e caixinhas de medicamentos. Principalmente, torne-se capaz de incorporar esse novo conhecimento para desmitificar que aprender Braille seja difícil. 
Se você sabe Braille, provavelmente fará muita gente feliz. Para finalizar, não aperte as bolinhas, nem passe a unha sobre elas, num ato de curiosidade e numa tentativa frustrada de ler com os dedos. Volto a dizer: quem enxerga lerá Braille olhando e assim você não danifica o relevo relevante pra muitos cegos que dependem dele.

COLUNISTAS / Luciane Molina

Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá).  Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban  e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores.  Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.


braillu@uol.com.br

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