Por Vânia Alves
Vale do Paraíba, 18 de novembro de 2015.
Meu caro Mário de Andrade.
Venho de uma semana em que experimentei a grata convivência com artistas de diversas linguagens, recém-amigos – amizade iniciada como que num Big Brother inesperado e demarcado por um concurso cultural, uma viagem de van por dez horas de São Paulo capital a Ouro Preto/MG, uma intensa convivência de dez dias, e o retorno a sua [outrora] terra da garoa.
Evidentemente, devo agradecê-lo pela oportunidade. Você bem sabe que a principal biblioteca pública da capital paulista leva seu nome como patrono. É, meu caro… A saudade de você aperta a todos nós já há setenta anos – desde 1945 – e estamos tentando (longe de alcançar a sua genialidade!) manter vivo o seu legado.
Por iniciativa da sua Biblioteca Mário de Andrade, ali na Rua da Consolação, éramos sete – até então desconhecidos uns aos outros – partindo para as Minas Gerais, refazendo os caminhos que você e seus amigos modernistas percorreram pelos idos da década de 1920, nessa busca pela brasilidade, pelo que há de legítimo e original entre o nosso povo.
Poderia, com tranquilidade, me enveredar pela fantasia, pelo encantamento e pelo arrebatamento que, decerto, não invadiram só a mim, mas a cada um dos envolvidos nessa feliz convergência de vidas. Haverá momento oportuno para relatar as surrealidades que vivemos nessa viagem (e alimento sua curiosidade adiantando que não foram poucas!).
No entanto, escrevo agora com outro propósito. Com certeza você já sabe de tudo o que aconteceu neste mesmo período – a irresponsabilidade gananciosa que feriu Mariana; os atentados na França que justificarão, indevidamente, retaliações a inocentes; a ocupação das escolas estaduais por alunos e professores em resistência ao absurdo fechamento de vagas… Eu, conscientemente, me afastei de quaisquer redes sociais e mídias diversas, optei por viver em profundidade este retiro que você me proporcionou. Mas tudo tem seu fim – carnavais, amores, a própria vida – e eu voltei e tudo estava aí, para ser digerido.
E então a angústia em que vivíamos se intensificou. Angústia, sim! Ante o peso da responsabilidade, de perceber-se incapaz de escrever/desenhar/fotografar aquela exata situação, na exata medida da emoção. Queríamos revolucionar, transformar vidas por meio da arte, deixar nosso impacto no mundo. Arte combativa, denunciadora, sarcástica. Tendo sido professor e profundo respeitador do ser humano, sei que você compreenderá essa nossa busca. E como fazê-lo?
De fato, não sei. E você também não é adepto de receitas, se bem o conheço. Sei que carrego comigo a semente do amor, da arte, do amor-arte talvez (gostei disso, amor-arte…).
Amor-arte traduzido na acolhida, atenção e disponibilidade de absolutamente todos os mineiros que conhecemos. Amor-arte da música dos violões, sanfonas, cantos, órgãos, violinos, violas, flautas, clarinetes, atabaques. No Museu do Oratório, na Sé em Mariana, sob a gruta no Parque das Andorinhas, na escada da República Harém, no forró do Clube XV, no terreiro, na roda de samba ou no almoço de domingo. É tudo junto mesmo, confuso assim, belo, destruindo quaisquer vestígios da separação (que muitos ainda idolatram) entre erudito e popular. Amor-arte da pedra-sabão e simpatia da Cláudia, das telas e da personalidade do Vandico, da paisagem da janela (essa mesma da canção, e da nossa janela) transportada para as telas do Tonico dos Telhados. Amor-arte que contagiou e uniu nosso grupo como se nos conhecêssemos há anos… Sem dúvida, seteé o número da perfeição! Com chorinho e Hilda Hilst no retorno.
Amor-arte… Ainda estou apaixonada. Ô se estou.
Quanto à produção artística de hoje, pós-viagem? Contam os abraços na família, o tantão de café, as horas passando a pilha de roupa acumulada na cadeira da cozinha? Se não, ao menos considere essa carta para seu divertimento, onde quer que você esteja agora.
Grande abraço,
Vânia
Sobre a autora:
Vânia Alves é graduada em Engenharia Industrial Química pela EEL-USP e integra a Academia Jovem de Letras de Lorena. Tem interesse pela escrita jornalística e de resenhas, além de se arriscar na poesia e prosa como deleite.
Contato: vaniaoalves@gmail.com
Espaço reservado às produções dos acadêmicos da Academia Jovem de Letras de Lorena. Membros da AJLL: Beatriz Neves, Camila Loricchio, Danilo Passos, Gabriela Costa, Gustavo Alves, Gustavo Diaz, Heron Santiago, Isnaldi Souza, Jéssica Carvalho, João Palhuca, Julia Pinheiro, Lelienne Ferreira, Lucca Ferri, Samira Tito, Thiago Oliveira, Vânia Alves e Wagner Ribeiro.
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