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Reminiscências de uma ex-telefonista

26/12/2015

Dona Olinda Soares de Almeida, minha sogra, é uma senhora de 96 anos de idade.  Muito lúcida, ela ainda se lembra do tempo de sua mocidade em Lorena, a partir da década de 30, quando iniciou-se em sua vida profissional.
Ela conta que lá por 1934, quando tinha 15 anos, existiam dois fotógrafos na Praça Arnolfo Azevedo.  No lugar onde se localizou posteriormente a loteria Bola Branca, estabelecia-se o fotógrafo Pontes, que depois mudou-se para a rua Dr. Rodrigues de Azevedo.  No outro lado da praça, perto do local onde depois se construiu o Nosso Cinema, havia o atelier fotográfico do JF Campos, pai da Doli Campos, onde dona Olinda trabalhou como atendente.
Uns três anos depois, em 1937, ela já estava trabalhando em outro local: foi admitida como telefonista da Companhia Telefônica Brasileira.
A Telefônica de Lorena localizava-se na Praça Arnolfo Azevedo, onde depois existiu a farmácia do seu Dotti e, nos nossos dias, funciona uma pastelaria.  Tratava-se de uma casa velha com uma porta grande, pela qual se passava para uma saleta que dava para a sala de ligações – dali se via as telefonistas em pleno trabalho.  Quem administrava a Companhia naquele tempo era o seu Antônio; ele tinha, entre outras responsabilidades, aquela de determinar os turnos das telefonistas.
Eram colegas de serviço da jovem Olinda, a dona Benedita Borges ( Nitinha), telefonista-chefe cuja mãe era parteira (telefonista número 1); a Dorinha (telefonista número 2); e a Valdomira, mãe do Valter, da Valquíria, da Silvia e da Ana Maria (telefonista número 4).  A telefonista número 3 era ela, dona Olinda. Havia também uma telefonista noturna, a Maria Gonçalves, irmã do seu João Gonçalves, que tinha uma oficina mecânica perto do atual supermercado Pão de Açúcar. Outra telefonista daquele tempo foi a Geny Jannuzzelli, irmã do Mindão.
Alguns anos depois, a Companhia Telefônica mudou-se para a rua Principal, onde se instalou posteriormente o Foto Matos. Dona Olinda lembra-se da primeira pessoa que atendeu na nova sede – foi a dona Mariazinha Pinto Antunes, uma jovem recém-chegada de São Paulo, que fez uma ligação para essa capital.
Ela ainda se lembra de alguns dos números telefônicos daquele tempo:
16 – Quinto Regimento de Infantaria.
24 – Avelino Thimóteo.
25 – Santa Casa de Misericórdia.
35 – Carrera.
36 – Hotel Guarany.
42 – Dr. Silvio Junqueira.
45 – Dr. Salim Félix.
56 –  Fábrica de Pólvora de Piquete.
96 – Clube Comercial.
                                        
 O serviço telefônico funcionava da maneira que descreveremos a seguir.
 
As pessoas que não possuíam telefone em casa iam até lá e diziam, num guichê quadrangular, o número com o qual queriam falar e depois atendiam numa cabine telefônica que existia ao lado. Essa cabine era preta, com porta envidraçada sanfonada, com dobradiças no meio. Dentro dela, havia um suporte para a lista telefônica e anotações. Acima, ficava um retângulo preto brilhante, tendo do lado esquerdo um gancho de metal onde descansava uma corneta também negra para o ouvido; no centro deste, ficava um bocal por onde saía a voz de quem telefonava.  
Na sala de espera, quem pedia uma ligação ouvia uma campainha chamando em determinada cabine. Terminada a chamada, colocava-se a corneta no gancho, a qual produzia um som que indicava o final do telefonema.  Em seguida, ia-se ao guichê pagar o serviço telefônico.
Imagine-se, agora, como era o cotidiano da sala de telefonia. À frente de todas as telefonistas, existia uma mesa de trabalho onde prendiam-se as “pegas”, espécie de cabos telefônicos. Quando alguém chamava a Telefônica, acendia-se num painel à frente das telefonistas uma luz indicando de onde vinha a chamada.  A telefonista prendia um dos cabos ou “pegas” no orifício correspondente ao número que ligou e perguntava:
– Número, faça-me o favor!
O assinante dizia o número que queria e a telefonista, com outro cabo ou “pega”, introduzia-o no orifício do número solicitado. Era comum os cabos telefônicos cruzarem-se sobre a mesa da telefonista, que fazia, ao mesmo tempo, diversas ligações. No caso de interurbanos, a telefonista solicitava o número pedido pelo assinante à telefonista da outra cidade.
Quando terminava a chamada, a luz da ligação se apagava e a telefonista recolocava o cabo telefônico em seu lugar sobre a mesa.
As telefonistas trabalhavam com fones de ouvido – dona Olinda atribui os seus atuais problemas de audição a esse trabalho do passado. Por falar em saúde, o médico que as atendia era o dr. Silvio Junqueira.
As telefonistas urbanas e interurbanas comunicavam-se entre si através de códigos:
NC = nenhum circuito.
LO = linha ocupada.
DNH = desconhecido.
PL = pronta ligação.
As ligações nem sempre eram feitas imediatamente. Era comum as telefonistas de interurbanos comunicarem às de Lorena:
– LO! .
Os lorenenses telefonavam muito entre si. Dona Olinda se lembra de um episódio doloroso: quando o filho adolescente da dona Zizinha Albano, que estudava no São Joaquim, ficou doente (parece que teve uma apendicite); ela recorda ter-se esforçado para colocar essa querida lorenense em contato com o dr. Salim Félix. O menino acabou falecendo ao ser atendido na Santa Casa.
O maior movimento de ligações feitas era para o número 56, da Fábrica de Pólvora de Piquete, que vivia ocupado. Gente do Rio de Janeiro ou de São Paulo queria comunicar-se a toda a hora com a fábrica, cujo interlocutor chamava-se Coronel Aquino.
Enfim, era esse um retrato das comunicações telefônicas nos anos 30 e 40 em Lorena e no Brasil – nós o obtivemos graças à lucidez e excelente memória da dona Olinda, que foi uma das primeiras telefonistas da cidade!

COLUNISTAS / Olavo Rubens

Olavo Rubens Leonel Ferreira é formado em Direito, Ciências Sociais e Pegagogia. É mestre em Educação. Lecionou na Universidade de Taubaté, na Faculdade de Direito de Lorena, nas Faculdades Integradas de Cruzeiro, nas Faculdades Teresa D´Ávila de Lorena e no Anglo Vestibulares. Escreve muito; tem uma meia dúzia de livros publicados e a maior parte do que produziu ainda é inédita. Durante alguns anos publicou crônicas sobre Lorena no saudoso Guaypacaré, dos seus amigos João Bosco e Carolina. Mora em São Paulo.


olavo.rubens@hotmail.com

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