A ausência de uma comunicação inclusiva ainda tem sido o grande obstáculo para que pessoas com deficiência visual tenham acesso à informação e, por consequência, participem com autonomia das atividades ou consumam produtos e serviços sem prejuízos.
Impulsionadas pelos dispositivos móveis, empresas de tecnologia tem investido nesse campo e, cada vez mais, colocam no mercado soluções criativas e eficazes para atender públicos com diferentes dificuldades visuais.
Há alguns aplicativos muito interessantes, como os identificadores de cédulas, os que trabalham com reconhecimento de cores, de cenas e de objetos. Eles funcionam basicamente através da captura de uma foto pela câmera do aparelho e dependem de uma conexão de internet. Todo processo é automatizado, mas há também um outro aplicativo que funciona através da ajuda humana.
Seja os meus olhos, uma tradução livre de “Be my eys”, mantém em seu banco de dados o cadastro de voluntários que emprestam seus olhos para os usuários cegos, tudo através de uma videochamada de curta duração. Enquanto aponta a câmera do celular para o objeto que deseja conhecer, o voluntário, do outro lado, descreve e e orienta a melhor posição de foco.
A grande sacada desse aplicativo é a interação entre dois públicos. De um lado há os que precisam de informações mais detalhadas, não conseguidas através de aplicativos convencionais. Do outro lado, alguém que precisa calibrar sua visão para encontrar a melhor forma de descrever uma cena, um objeto. É um exercício constante de se colocar no lugar do outro e de aprender a esculpir imagens com palavras.
O aplicativo que alia tecnologia e ajuda humana conquistou fãs pelo mundo inteiro. Entretanto há os que criticam o formato apresentado, justificando uma dependência exacerbada das pessoas que enxergam, acabando por privilegiar a visão como canal soberano de acesso a informação.
Há também outros aplicativos muito interessantes, como os de GPS que traçam rotas e informam determinado trajeto por voz. Os que buscam pontos de referência ao redor e até mesmo àqueles que leem os e-books como players de música. Ainda é possível capturar a imagem de um impresso e obter o reconhecimento óptico para convertê-lo em texto. assim fica fácil ler uma conta de água, um boleto, cartões de visita ou pequenos trechos de livros, por exemplo.
Para quem curte uma “selfie”,, basta posicionar a câmera voltada para o rosto e ouvirá coordenadas por voz para enquadrá-lo. Mais para a direita; um pouco mais para baixo; e com um sorriso dispara o clique. Aí é só compartilhar na sua rede social preferida!
Muitos outros recursos também estão disponíveis nos dispositivos móveis e auxiliam pessoas com alguma dificuldade visual, como os leitores de tela incorporados ao sistema operacional, as lupas e possibilidade de alteração de contraste, permitindo o uso dos demais aplicativos com certo conforto e autonomia, desde que estejam sido planejados e programados com acessibilidade.
Duas ótimas funcionalidades que apresentam um grande potencial pedagógico são: a escrita manuscrita e a digitação Braille. Na primeira a tela do dispositivo funciona como uma superfície vazia, onde a pessoa desenha com o dedo as letras manuscritas do alfabeto. Muito útil para ensinar Às crianças cegas o formato das letras convencionais, inserindo o conceito de assinatura do próprio nome por meio dos movimentos próprios da escrita cursiva. Já o segundo coloca na tela os seis pontos da cela Braille. Eles podem estar distribuídos horizontalmente, como em uma máquina Perkins, ou verticalmente, como nas grades de uma reglete. Também pode-se digitar usando diferentes posições, com o aparelho plano na mesa ou segurando-o entre as palmas das mãos. Nos dois casos, tanto na escrita manuscrita como na digitação Braille as letras produzidas aparecem da forma convencional, nem cursiva, nem em Braille. O objetivo é apenas treinar o movimento e a habilidade da escrita, já que a leitura sempre vai acontecer em áudio.
Contudo, mesmo com tantas opções já no mercado, há quem desconheça os benefícios do uso dos aplicativos em dispositivos móveis para atender pessoas com deficiência visual. Até as próprias pessoas cegas ou com baixa visão, muitas vezes, não vislumbram essa possibilidade, manifestando resistência ou tirando um proveito superficial por não conseguirem manusear todos os recursos de acessibilidade. Nesse sentido a comunicação inclusiva fica interrompida. E mesmo que consigamos a popularização dessas tantas tecnologias, é bom que não percamos a essência do contato humano, da cooperação e do convívio que ampliem as bases da tolerância e do respeito.
Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá). Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores. Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.
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