A comunicação inclusiva traz o conceito do empoderamento da pessoa com deficiência por meio do acesso à informação. Esse empoderamento implica ser capaz de decidir e de desempenhar tarefas rotineiras com autonomia. Conhecer é também impregnar de sentido, tornar comum uma ação e partilhar os significados obtidos na interação com o outro, dentro de um grupo social.
Uma pessoa com deficiência visual, por exemplo, quando não consegue ter pleno acesso a uma imagem, precisa que outros recursos estejam disponíveis para que a informação seja desvendada pelos outros sentidos. Desvendada como o ato de retirar a venda, tornar visível um conhecimento até então oculto aos olhos de quem não vê.
Um desses recursos é a audiodescrição, uma técnica recente de tradução visual. Ela consiste em transformar as imagens em palavras, que podem ser escritas ou verbalizadas. A audiodescrição escrita serve para traduzir as fotografias, imagens ou figuras nos livros didáticos, nas exposições, nas salas de aula, nas reportagens impressas e publicadas na internet ou transcritas para o Sistema Braille. A audiodescrição verbalizada pode ser narrada simultaneamente ou gravada em áudio e serve para teatros, cinema, televisão, musicais e outros. Essa técnica é praticada tendo em vista algumas diretrizes específicas para esse fim.
Sabendo disso, é possível concluir que a ausência de descrição nas fotografias das redes sociais tem sido um entrave para o empoderamento da pessoa com deficiência visual. Mas não só isso… Com auxílio de um programa que lê a tela dos computadores, pessoas cegas ou com baixa visão podem acessar conteúdos midiáticos diversos, mas as inovações nas técnicas jornalísticas estão na contramão da conquista por acessibilidade.
Atualmente, a maior emissora em rede aberta excluiu da audiência da sua dramaturgia, em horário nobre, as pessoas cegas. São cenas quase sempre sem diálogos e acompanhadas por trilha sonora sem audiodescrição. Essa prática já é recorrente em exibições da previsão do tempo e nas programações de entretenimento. E se há quem diga que basta desligar a televisão, o protesto não vale para reivindicar um direito negligenciado. Até para decidir entre querer ou não querer assistir a uma programação, é preciso conhecer seu conteúdo, ter acesso à informação plena, sem recortes nem remendos.
O web jornalismo, como uma tendência em franca expansão, tem ganhado espaço em blogs, portais de notícia e redes sociais. Isso poderia ser a solução para leitores cegos à falta de acessibilidade aos impressos de jornais e revistas. Entretanto, a publicação de fotografias sem legendas e textos dentro de imagens, no formato de print, impede que os softwares leitores de tela tenham acesso ao conteúdo das publicações. É como se os escritos ficassem ocultos por trás de uma cortina que o programa não alcança.
É fato que o apelo visual faz parte da elaboração de uma boa matéria; que serve para chamar a atenção para uma comunicação objetiva e instantânea; que provoca o leitor a compreender a essência da informação. Mas uma imagem só será capaz de complementar uma obra escrita se servir para todos. A audiodescrição não precisa ser uma atividade solitária, destinada exclusivamente para cegos. Ela é, antes de qualquer coisa, um exercício solidário e participativo, que instiga os olhares sobre o que é possível enxergar além da própria imagem. É a capacidade de trabalhar com as luzes e sombras, projetando-as no papel por meio de palavras.
O politicamente correto desgasta qualquer relação, até mesmo aquela entre a mídia e o espectador. De nada resolve disparar reclamações quando a coerência requer uma mobilização para a defesa do empoderamento da pessoa com deficiência. Talvez nem todos os editores conheçam as técnicas da audiodescrição. Outros, ainda, sequer reconheçam a tecnologia dos leitores de tela capazes de transformar letras em sons. Nada disso pode servir de justificativa para deixar de oferecer acessibilidade. A comunicação inclusiva é o principal canal de acesso da pessoa com deficiência visual à informação.
Então fica o alerta: descreva o que você vê, legende as fotografias e transcreva os textos das imagens, ao invés de somente publicá-las em formato fechado. E nunca confie que uma imagem vale mais do que mil palavras. Essa máxima não funciona quando o assunto é acessibilidade comunicacional, porque enquanto a tecnologia se renova, o homem precisa vencer seus limites para alcançar o outro em sua essência.
Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá). Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores. Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.
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