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COLUNISTAS / O saber acontece

Um pássaro nada sereno

14/04/2016

Foi Nelson Pesciotta quem me apresentou Eugênia Sereno e seu “O Pássaro da Escuridão” e me convenceu a ler e conhecer. Ele enaltecia a grandiosidade da obra e o desprezo pelo qual a autora passou por retratar sua São Bento do Sapucaí. Talvez pela proximidade à realidade, tenha a autora sido injustiçada. Sentimento pelo qual muitos passam ao ter o ímpeto de retratar, verdadeiramente, o local onde vivem ou por onde passaram.

Das múltiplas leituras do livro, escolhi a única, ou seja, a minha. Nelson Pesciotta, que agora está de partida para o Hemisfério Norte, é o responsável primeiro pelo meu envolvimento como a obra e autora, que dá nome ao prêmio literário anual do Instituto de Estudos Valeparaibanos.

Dada a dimensão do texto, fiz uma leitura vertical, sem condições de adentrar a fundo ou atentar para os detalhes. Principiei como um exercício para outra leitura, que está há tempos na lista de afazeres: a de “Ulisses” de Joyce.

Já na página 123, aparece o uso de “legítimo até as moléculas”, o que me causa uma incitação científica, como em quase tudo o que leio. E segue, ao marcar a temperatura com “trinta, quarenta graus Fahrenheit abaixo de zero”, algumas páginas à frente.

No livro, há constante citação à mitologia grega de vários autores clássicos, com forte erudição. O vocabulário usado por Eugênia Sereno acaba por ser estafante, mesclando dizeres caipiras com os registros correntes da língua e da norma culta. Um desses que me chamaram a atenção foi o folhifarfalhar, que não possui registro nos dicionários.

Fiz minha leitura do livro acompanhado de um caderno para anotar as peculiaridades e dúvidas. Não importunarei meus leitores com todas elas, mas quero dizer que o exemplar que adquiri foi em sebo em Campinas, dado que a edição está há muito esgotada. O exemplar em minhas mãos pertenceu a Modesto Antonio Lemos Carvalhinho e data de junho/1985. Se ele leu todo o livro, não sei, há marcas de orelhas dobradas nos capítulos iniciais. Curioso é que o cidadão foi importante na cidade e leva o sobrenome de uma colega de turma de faculdade, com quem também convivi um pouco na Europa. Uma curiosidade para outra oportunidade.

Eugênia faz questão de registrar vocábulos como são pronunciados, mas o próchimo, perto da p. 420, deixa-me a dúvida: se não leem, como sabem a escrita? Ou é para realçar a pronúncia? Ela brinca com o próprio enredo de sua estória, chamando-a, por vezes, de anacrônica. Ou diz que o texto é lacônico – o personagem descrito, talvez, não a obra.

Por fim, destaco aspectos da condição feminina, da humanidade da obra, de denúncias raciais e muitos neologismos. Um ensaio mais amplo ainda sairá dessa leitura.

COLUNISTAS / Adilson Gonçalves

Pesquisador científico, formado em Química pela Unicamp. Foi professor na EEL-USP, em Lorena, por 20 anos, e atua na pesquisa de biocombustíveis e conversão de biomassa vegetal. Presidiu o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Lorena por dois mandatos e é membro fundador da Academia de Letras de Lorena, tendo sido seu presidente por quatro anos.


priadi@uol.com.br

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