As fontes de estimulação visual são as principais responsáveis pela comunicação, que é estabelecida pelo olho humano ao distinguir alterações de forma, claridade, distância, cores, tamanho, entre outros atributos de objetos, figuras, cenários, paisagens, etc.
As atividades escolares estão impregnadas de componentes e referências visuais presentes na fala, no material didático, nas metodologias, nas tarefas e nos aspectos da organização do trabalho pedagógico.
No caso da pessoa cega, as palavras e o som por si só podem ter pouco sentido ou um sentido deturpado, por causa da comunicação não verbal que acompanha e complementa a fala dos professores ao apresentarem suas disciplinas. Nesse sentido os gestos, os apontamentos, as falas, os olhares devem ser mediados pela descrição verbal e pelo contato físico do sujeito com o objeto a ser referenciado.
A audição e o tato são os principais canais de informação utilizados pelas pessoas cegas. Diferente da percepção visual, que é global e simultânea, o tato caracteriza-se por um sentido analítico, detectando fragmentos da informação para configurar o todo. Por isso, alunos cegos demoram mais tempo para conhecer os objetos e a disposição do mobiliário em uma sala de aula ou dos objetos dispostos em uma mesa, por exemplo. A capacidade de perceber um objeto também está ligada Às referências sensoriais e ao repertório de sensações a que foi submetido durante o desenvolvimento familiar e acadêmico. Uma pessoa que nunca enxergou e não conhece, por exemplo, como é um avião, não vai conseguir buscar na memória as associações imagéticas para atribuir significado quando ouvir ou ler à palavra avião.
A quantidade e variedade de estímulos são decisivas para o desenvolvimento do aluno cego e para o seu desempenho escolar. A formação de conceitos e o estabelecimento de relações espaciais precisa ser preenchido com outras formas de percepção. A carência de experiências concretas pode ser responsável pelo fenômeno denominado “verbalismo”, uma repetição de palavras ou termos sem nexo, vazios de suporte conceitual. São repertórios fruto de uma aprendizagem mecânica e repetitiva. Por exemplo, para compreender corretamente a diferença entre um boi e um cavalo, um cachorro e um coelho ou identificar um inseto, uma ave, uma flor ou uma fruta, a criança cega necessita da experiência concreta por meio de outras formas de percepção sensorial. Por isso os estudantes cegos necessitam de provocação para descobrir e explorar os estímulos e as imagens visuais por meio de fontes sonoras, estímulos táteis e contato físico. Neste caso, torna-se necessário associar o conhecimento perceptivo com o verbal por meio de descrições claras e explicativas, sobretudo em atividades predominantemente visuais. Além disso, uso de maquetes, objetos em miniatura e materiais em 3D confeccionados pelo professor poderá auxiliar o aluno cego que passa a interagir com todos da sala.
As estratégias de aprendizagem, os procedimentos, o acesso ao conhecimento e à informação, bem como os instrumentos de avaliação, devem ser adequados às condições visuais dos alunos cegos. O professor deve valorizar o comportamento exploratório, a estimulação dos sentidos remanescentes, a iniciativa e a participação ativa. Algumas atividades predominantemente visuais devem ser adaptadas com antecedência, e outras durante a sua realização, por meio de descrição, informação tátil, auditiva, olfativa e qualquer outra referência que favoreça a configuração do cenário ou do ambiente. Para isso é recomendável planejar com antecedência e contextualizar as atividades eminentemente visuais.
Nesse sentido, os alunos cegos podem e devem participar de praticamente todas as atividades, com diferentes níveis e modalidades de adaptação, que envolve criatividade, confecção de material e cooperação entre os participantes. Certamente o produto final dessas adaptações servirá para enriquecer a aula para todos os alunos, ampliando experiências e motivando-os por meio da contextualização dos conceitos.
O acesso a informação escrita — leia-se material didático — pelo aluno cego pode ser feito usando diferentes suportes: Sistema Braille, Livro falado e Material Digitalizado para ser lido através de computadores com sistema de voz. É importante lembrar que nem todo aluno cego tem suficiente conhecimento do Braille. Alguns, no entanto, nunca foram alfabetizados neste código e precisam ser incentivados para tal. Também devido a dificuldade para conseguir material didático impresso em Braille e pelas disciplinas exigirem uma atualização constante do material, os suportes em meio eletrônico e os computadores com leitores de tela são a saída para que esse estudante acompanhe as aulas sem prejuízos.
As transcrições de textos para o Sistema Braille, ou qualquer outro formato acessível, quando se tratar da produção de obras sem fins lucrativos, encontra amparo legal na Lei nº. 9610, de 1998. Portanto, a edição em Braille, em áudio ou em qualquer suporte eletrônico de qualquer texto, quando sua finalidade for para distribuição gratuita a pessoas cegas, independe de autorização de quem detenha os direitos autorais – autores (as) ou editores (as).
É pertinente, porém, oferecer algumas dicas para professores que lecionam em turmas com estudantes cegos. As orientações que se seguem não devem ser vistas como regras, pois cada pessoa reage de uma forma muito peculiar aos estímulos que lhes são oferecidos. A única regra geral aqui é “pergunte sempre”. O estudante cego também poderá fornecer subsídios interessantes para você, professor.
Pedagogicamente são considerados cegos os estudantes que apresentam ausência total da visão até alguma percepção luminosa a curtíssima distância, mas que necessitam de instrução especializada por meio do aprendizado da leitura e da escrita em Braille, da tecnologia assistiva pelos leitores de tela em computadores e celulares e da audiodescrição.
– Evite atividades orais. Na ausência de conhecimento sobre o sistema Braille ou da tecnologia assistiva, procure auxílio com um profissional especializado. É sempre muito cômodo investir em atividades e provas oralmente, aquela em que o aluno apenas repete/verbaliza o conceito aprendido. Essa estratégia só deve ser adotada se for utilizada com todos da turma e não exclusivamente com o aluno cego. Insistir nessa estratégia trará prejuízos no aprendizado da língua escrita, leitura e interpretação de textos por meio do registro escrito. A pessoa cega tem condições de ler e escrever utilizando o sistema Braille ou a informática com leitores de tela.
– Comunique o que acontece. A expressão corporal auxilia a comunicação verbal, entretanto quando os gestos forem usados para apontar, mostrar ou direcionar a atenção para algum ponto específico, convém que o professor verbalize e seja o mais claro possível para que o aluno cego possa acompanhar sua explicação. Por exemplo, ao mostrar um livro, diga o nome do livro que está em suas mãos ao invés de dizer “este livro”. Chame cada aluno pelo nome ao invés de apontá-los com os dedos. Informe qualquer movimentação ao redor para que o aluno cego acompanhe o que acontece. Seja sempre descritivo e informe sobre o afastamento ou a chegada para evitar que o aluno cego permaneça falando sozinho.
– Nas disciplinas de português ou língua estrangeira, os alunos cegos precisam conhecer bem o vocabulário, a ortografia das palavras e as regras gramaticais. Por isso, é conveniente que o professor ofereça antecipadamente uma lista com o novo vocabulário utilizado nas aulas. A lista poderá ser em Braille; digitada em editor de texto como bloco de notas; ou ainda gravadas com um celular ou gravador simples, lembrando que neste caso as palavras precisam ser acompanhadas da soletração. Tudo vai depender do suporte utilizado com maior desenvoltura pelo aluno.
– Os esquemas, as figuras, gravuras, símbolos, diagramas e demais imagens (inclusive as mostradas em vídeo) deverão ser apresentadas antecipadamente ao aluno, devendo, ainda, serem descritas em português. A descrição pode ser verbal ou escrita, conforme o suporte mais indicado: Braille, áudio ou digitalizado. O pendrive é um excelente amigo do professor.
– Os desenhos, gráficos e ilustrações devem ser adaptados e representados em relevo por meio de maquetes, quebra-cabeça ou miniaturas. Por exemplo, para ensinar uma reta numérica o professor pode utilizar um barbante com nós. Argolas entrelaçadas para ensinar noção de conjuntos, quebra-cabeça de mapa para ensinar as regiões geográficas.
– Prefira sempre apresentar filmes dublados, que já contenham o recurso da audiodescrição. Se isso não for possível, a apresentação de filmes ou documentários requer a descrição oral de imagens, cenas mudas e leitura de legenda simultânea, se não houver dublagem, para que as lacunas sejam preenchidas com dados da realidade e não apenas com a imaginação do aluno.
– O uso de slides, gravuras, cartazes, fotos, ilustrações e outros recursos visuais deve ser precedido de informação e descrição oral de forma objetiva e sucinta. Pode-se também apresentar ao aluno um resumo ou uma sinopse escrita em braille, em suporte digital acessível ou gravado se for o caso.
– A matéria escrita no quadro deverá ser apresentada ao aluno cego antecipadamente, escolhendo o formato adequado. Ou ainda, verbalizada no momento que o professor as transcreve na lousa para que o aluno cego possa acompanhar a aula.
– Nas atividades ou avaliações, as questões que impliquem recorrer a ilustrações, gráficos ou figuras para compor a resposta, deverão ser substituídas ou adaptadas quanto a sua forma de apresentação. Jamais peça para o aluno analisar o trecho destacado em negrito, por exemplo. Recorra a outras marcas ou apontamentos.
– Os mapas, gráficos e esquemas em testes de História, Geografia e outras disciplinas devem ser oferecidos em relevo e acompanhados de perguntas as quais, sozinhas, possam ser respondidas sem o auxílio da visão. Não deixe de usar suporte visual em suas aulas; faça-o de forma adaptada às necessidades do aluno cego.
– Não solicite para que o aluno cego represente em forma de desenho os paralelogramos, as ligações de carbono ou um heredograma. Ele poderá compreender todos os conceitos se forem apresentados no suporte adequado, em relevo e em maquetes, mas não poderá reproduzi-los em seu caderno.
– As observações ao microscópio, os eventos químicos observados exclusivamente pela visão, entre outros, sempre que não puderem ser substituídos por vias sensoriais tátil, auditiva, olfativa ou gustativa devem ser fornecidas ao aluno pelo professor, de maneira oral, ou ainda descritas no momento da realização da atividade.
– O material concreto, tridimensional, palpável, deve estar à mão do Professor de modo a poder servir-se dele, quando a explicação ou compreensão da matéria assim o exigir. Experimentos de Ciências e Biologia devem remeter ao conhecimento por meio de outros canais de coleta de informação. Por exemplo, no caso do estudo de anatomia e fisiologia do corpo humano, o professor pode usar material concreto e em relevo para representar figuras ou imagens visuais de ossos, células e microrganismos.
– Os alunos cegos não podem ver as cores. Estas são modalidade específica da visão. É importante que as cores sejam ensinadas às pessoas cegas, por exemplo falando de suas variações de tonalidade, azul claro, verde escuro, onde aparecem, na maçã vermelha, no aroma de uma planta verdinha, na maciez do algodão branco, etc.
– Os alunos terão grande proveito ao usarem diferentes materiais, com diferentes texturas, que permitam diferentes temperaturas, que provocam diferentes odores, que emitam diferentes ruídos, devendo esses materiais fazer parte dos trabalhos de toda a turma na classe. Colagens, dobraduras, pinturas e outras técnicas devem ser ensinadas, cuidando para que o aluno cego possa oferecer ao seu trabalho, a mesma beleza visual que oferecerá com a estética tátil; a beleza e a estética visual precisam ser ensinadas e estarem presentes nas produções dos alunos para que sejam apreciadas.
– As atividades de Educação Física podem ser adaptadas com o uso de barras, cordas, bolas com guizo, etc. O professor deverá valer-se de seu próprio corpo, ou do corpo do aluno, para mostrar os movimentos necessários ao cumprimento do exercício proposto. Deve-se tomar como referência a lateralidade com base no corpo do aluno e em sua posição.
– Em auditórios ou nas apresentações usando o microfone, fale sempre algumas palavras fora dele, para que os estudantes cegos direcionem a atenção para o interlocutor e não para a caixa que vai amplificar o som. Também informe sobre a posição das bandeiras com relação ao estudante.
– Enfim, descreva sempre! Descreva ambientes, disposição do mobiliário, conteúdos visuais relevantes, cenários, figurinos, expressões faciais. Descreva em exposições, em veiculação de filmes, em apresentações de teatro ou musicais, entre outros. Anuncie recados presentes nos murais da escola, placas de sinalização dos espaços internos, acontecimentos em geral. Mas não faça com que essa ação seja exclusiva para o aluno cego, pois todos se beneficiam dos recursos que são disponibilizados em diferentes linguagens.
Conclui-se que o ambiente deve ser estimulante e desafiador para que o aluno cego possa reunir informações sobre seu próprio corpo em movimento, estabelecer relações espaciais, relações entre objetos, contrastes, sons, odores e outros estímulos relevantes para a assimilação de conceitos, de posturas adequadas, de auto-imagem e formação de identidade. O professor deve conhecer os recursos usados pelo aluno e conscientizar-se de sua utilidade e relevância. Desta forma, será mais fácil encorajar o seu uso e estimular o máximo aproveitamento do potencial da visão. Poderá também trabalhar com a turma no sentido de desenvolver hábitos e atitudes de cooperação e respeito às diferenças. Adaptar não significa entregar um material diferente para o aluno cego ou oferecer outro conteúdo em substituição ao inacessível. Adaptar não significa privá-lo do que não pode compreender visualmente, mas encontrar um caminho para transmitir determinado conceito de maneira eficaz.
Luciane Molina é pedagoga. Possui especialização em Atendimento Educacional Especializado pela UNESP e em Tecnologias, Formação de Professores e Sociedade pela UNIFEI. É braillista, cega, pesquisadora em Sistema Braille e vencedora do IV Prêmio Sentidos em 2011, que valoriza ações de pessoas com deficiência na área da inclusão e acessibilidade. É também colunista do jornal “O Lorenense”, dos blogs “Guia Inclusivo” e “Espaço Braille”. Co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atua na Secretaria Municipal dos direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba, com articulações em políticas públicas voltadas a pessoas com deficiência visual e com comunicação inclusiva. Ministra aulas de informática e leitura-escrita em Braille para alunos com deficiência visual e professores do Atendimento Educacional especializado ou do ensino regular. Presta consultoria à escolas e secretarias de educação sobre educação inclusiva para alunos cegos e com baixa visão.
Contatos: braillu@uol.com.br
(12) 98102 0340
Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá). Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores. Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.
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