É notável que a educação inclusiva tenha ganhado fôlego e um pouco mais de visibilidade dentro da educação básica. Professores que se deparam com alunos com deficiência e se veem desafiados a repensar suas práticas, outros que resistem em alterar suas rotinas para atender uma minoria. Fato é que esse processo já começou e será impossível retroceder.
Olhando para frente, em função de uma educação inclusiva pautada no investimento material e humano, a educação básica está longe de ser o ponto final para alunos com deficiência. Em proporção crescente, à medida que eles conseguem acesso a uma escola acessível, com salas de recursos e professores especialistas, também ganham as chaves para abrir o cadeado que os aprisionava em seus próprios mundos.
As universidades têm se tornado o destino almejado por muitos desses alunos com deficiência. Mais do que um ambiente acadêmico, de produção de ciência, de reflexão e partilha de conhecimento, os cursos superiores são o símbolo mais fiel do empoderamento dessas pessoas, porque guardam nas entrelinhas, as possibilidades do seu sucesso profissional e da superação dos seus limites.
Mas por que ainda parece tão complicado para uma pessoa cega cursar uma faculdade? Uma das questões é justamente o fato de que a etapa que antecede o nível universitário é permeada de políticas públicas que asseguram o atendimento educacional especializado. Devido a essas políticas públicas, as escolas de ensino fundamental e médio contam com as salas de recursos e com os professores especialistas, que apoiam todo o processo de escolarização básica, incluindo a formação continuada dos professores e a adaptação dos materiais. Esses últimos nem sempre produzidos nos moldes ideais, mas quase sempre suficientes para as propostas dessa fase.
É geralmente a partir da chegada de um aluno com deficiência que a universidade vai buscar um suporte, a instrumentalização e a criação de núcleos de acessibilidade e inclusão. Ótimas iniciativas para apoiar o aluno cego, porém o suporte de especialistas não pode ser descartado. A estruturação desses núcleos ocorre lentamente, enquanto as aulas, disciplinas e avaliações estão acontecendo dentro das salas de aula em tempo real.
Quando um professor se vê frente a frente com um aluno cego, lidamos com algumas grandes questões, conflitos que envolvem diferentes olhares. Como esse aluno aprende? Como eu vou ensinar para uma pessoa cega? O professor é literalmente tirado da sua zona de conforto, pois é preciso encontrar o equilíbrio entre a negação das potencialidades de uma pessoa com deficiência visual para exercer a profissão ou a superproteção, minimizando as dificuldades desse aluno ao executar as atividades propostas em aula.
Com bastante frequência, também acontece a generalização de um grupo por uma característica comum. Mesmo entre pessoas com deficiência visual, cada qual apresenta necessidades educacionais especiais: nem todo cego sabe Braille; nem todo cego domina as tecnologias… a cegueira não pode ser vista através de um objeto, como uma bengala, o Braille, um par de óculos. Por isso, pergunte sempre!
Embora o professor universitário lide mais com questões conceituais e de habilidades profissionais, a cegueira, em alguns indivíduos, se manifesta muito além da questão funcional. As bases psicológicas que envolvem a perda da visão pode gerar nesse aluno a atitude de autopromoção. Aproveitar-se de alguma situação para tirar vantagem, principalmente se ele vê o professor como alguém incapaz de lidar com suas necessidades, por não entregar um material acessível, por criar barreiras na comunicação ou mesmo por não confiar nas potencialidades do estudante, cobrando resultados, incentivando seus avanços. Por exemplo: se ele percebe que o professor não consegue atingir a proposta com adaptações de materiais, pode haver a tentativa de manipulação inconsciente e assim ele se livra de algumas responsabilidades ou de cumprir prazos estipulados.
Por isso, o professor universitário precisa idealizar, antes da aula, como os recursos poderão servir de elementos mediadores para a aprendizagem do aluno cego e dos demais, envolvendo o planejamento de estratégias para aulas que utilizem materiais visuais acessíveis. Porém, não será o professor universitário o responsável por desenvolver, no aluno cego, habilidades básicas de leitura e escrita, da utilização de tecnologias. O aluno precisa ser parte ativa nesse processo e dominar algum recurso, seja Braille, leitores de tela, equipamentos de tecnologia assistiva. As responsabilidades são conjuntas, pois o processo de inclusão é uma via de mão dupla.
Atualmente, a utilização de recursos tecnológicos favorece a independência dos estudantes com deficiência e se mostra como meio de acesso rápido à informação. Evitar apontamentos, como uso de expressões “isso”, “Aqui”, “lá” é uma dica imprescindível para incluir o aluno cego. Outras dicas ficam por conta do uso de material áudiovisual adequado, como a escolha de filmes com audiodescrição, digitalização de materiais de estudo, conversão de textos para MP3 com ferramentas básicas de informática. Ser descritivo e perguntar qual a melhor maneira de ajudar e nunca se esquecer de que “educação” não é feita com receita. Não é uma ciência pronta, nem acabada; o processo inclusivo é uma metamorfose que acontece, antes de mais nada, dentro de cada um de nós. E aí somos capazes de voar e espalhar as sementes para que as ações floresçam também em outros campos.
Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá). Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores. Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.
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