Computadores e celulares com acesso à internet hoje fazem parte da realidade de muita gente. Para o entretenimento ou para o uso profissional, está cada vez mais difícil “desgrudar” desses dispositivos.
Pessoas, pelo mundo inteiro, utilizam as tecnologias conectadas à internet para desempenhar dezenas de tarefas diárias, que inclui desde um simples pagamento, uma pesquisa, até controlar equipamentos à distância. Depender da tecnologia para muitos pode ser um vício, enquanto que para outros, é uma necessidade. Difícil, porém, é conseguir distinguir a tênue linha que separa a dependência que aprisiona da possibilidade que liberta. Estar conectado o dia todo tem suas vantagens e suas desvantagens.
Várias reportagens veiculadas na mídia mostram casos de pessoas que, por estarem tão viciadas em internet, computadores e celulares, precisam de tratamentos numa espécie de clínica para dependentes de tecnologia. Esse alerta, sem dúvida, é muito importante e traz à tona alguns dos grandes malefícios causados pelo uso exagerado das tecnologias e seus efeitos colaterais na relação entre as pessoas: o isolamento social.
Do lado oposto dessa dependência que aprisiona, encontramos as tecnologias assistivas, que são utilizadas para proporcionar à pessoa com deficiência maior independência, qualidade de vida e inclusão social, através da ampliação de suas possibilidades, daquelas que libertam dos limites impostos por uma deficiência física, sensorial ou intelectual.
Tentei imaginar como seria a minha vida hoje, sem a presença das tecnologias e da internet, dos computadores que falam, dos smarthphones e de tantos outros aparelhos que nos fazem “enxergar” por meio dos sons e das experiências táteis. Não consigo, em hipótese alguma, me considerar uma “viciada” em tecnologia, simplesmente porque a presença dela na minha vida é algo que transforma as relações com o mundo, num misto de independência com liberdade, na sensação de que, através das tecnologias, nossa deficiência tem menor impacto pra sociedade e nos tornamos muito mais “reais” pro mundo.
Porém, dependo da tecnologia para quase tudo que realizo diariamente, como ler um documento, pois posso digitalizá-lo; acessar redes sociais e me comunicar com o mundo; ler notícias de revistas, jornais e diversos portais espalhados pela web; acessar e-mail; consultar compromissos na agenda; produzir um artigo, publicar em blogs e pesquisar tudo o que quero; consultar dicionário; estudar e ensinar, por meio de plataformas de educação à distância; utilizar calculadora, gravador e reprodutor de mídias; planejar um evento, calcular gastos em uma planilha e organizar meu cronograma de trabalho. A lista de atividades é tão gigante que nem sou capaz de detalhar tudo o que consigo fazer com um simples clique e, em 80% dos casos, preciso estar conectada à internet.
De fato, a tecnologia tornou nossa vida possível. Utilizo um notebook semelhante ao que muita gente usa hoje em dia para acessar seu Facebook, por exemplo. A única diferença é um software instalado e que converte em fala mecânica todas as informações visuais disponíveis no monitor. Faço tudo por meio de comandos no teclado, pois estes programas dispensam o uso do mouse. As imagens saltam dos auto falantes ou fones de ouvido diretamente para nossa mente, que se abre a cada nova descoberta. O computador passa a ser provisoriamente meus olhos, apesar de necessitar da ajuda do “olho amigo” nas raras situações que o leitor de tela não consegue decodificar a informação visual em áudio. Isso ocorre, geralmente, quando temos que digitar capchas, que são aquelas letras ou números embaralhados dentro de uma imagem para reforçar a segurança de um site ou cadastro. Outro caso em que recorro ao famoso “olho amigo” é por conta das fotografias; e aproveito para legendá-las, assim evito problemas no futuro. Leitores de tela ainda não conseguem “ver” imagens, exceto por aplicativos específicos que ainda engatinham no reconhecimento artificial de fotografias.
Tecnologias para pessoas cegas têm progredido numa velocidade incrível e a cada dia, novas e novas possibilidades surgem. Mesmo assim, ainda hoje muitas pessoas com deficiência visual ainda não possuem acesso a elas, seja por comodismo, por falta de profissional que conheça esses softwares e seu funcionamento, seja por baixo poder aquisitivo, apesar desse último não ser a justificativa mais coerente para esse distanciamento. Nesses casos, não estar conectado é ficar aprisionado a um mundo muito pequeno, bem menor do que se pode explorar.
As atividades exigem que os profissionais estejam atualizados e saibam conviver com as novas tendências do mercado. Isso inclui profissionais com deficiência. Não consigo imaginar um professor cego, um advogado cego, um administrador de empresas cego, ou seja lá que profissão exerça, que não domine nenhum aspecto do uso da tecnologia. É complicado imaginar como será o universo profissional de uma pessoa cega que não conheça as possibilidades da tecnologia e as barreiras comunicacionais que elas são capazes de quebrar. Vou ainda mais longe e afirmo, com convicção, que as habilidades em utilizar um computador que fala ou um celular que dialoga vão muito além de conquistar uma liberdade intelectual. São capazes de aproximar pessoas, de derrubar as barreiras atitudinais e de reforçar o convívio com mais naturalidade, pois todos poderão compartilhar das mesmas dúvidas e, consequentemente, das mesmas soluções.
Internet, porta que nos leva pra muitos lugares… precisamos saber abri-la e desfrutar das suas possibilidades da maneira mais saudável possível!!!
Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá). Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores. Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.
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