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Laudo do IML comprova: criança da Cecap NÃO foi espancada pela mãe e pelo padrasto

09/02/2018

Uma suspeita de maus tratos que propagou-se rapidamente como se verdade fosse. Uma mãe de 17 anos que não teve a chance de se defender e sequer pôde se despedir do filho de 2 anos, que morreu vítima de tuberculose grave (a criança também era portadora de hidrocefalia e displasia de quadril congênita). Como se não bastasse, essa mãe e seu companheiro (padrasto da criança) foram espancados, tiveram sua casa saqueada e estão escondidos por estarem ameaçados de morte. Tudo isso aconteceu em Lorena. A história que você vai conhecer agora é baseada na investigação da dra. Adriane Gonçalves, delegada da DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) do município – que também é responsável pelas crianças e adolescentes.

“O equívoco começou na tarde do domingo, 21 de janeiro, quando Pedro Lukas Neves Souza e Silva, de apenas 2 anos e 10 meses, deu entrada no Pronto Socorro da Santa Casa de Lorena. Ele já havia sido levado pela mãe ao Posto de Saúde do bairro Cecap (onde morava) no dia 17 (quarta-feira), por apresentar febre e falta de apetite. Lá, ele teria sido diagnosticado com amigdalite (infecção de garganta). Nos dias seguintes, ele teria apresentado melhoras. Porém, no domingo, amanheceu ‘diferente’: letárgico (corpo mole) e quase sem falar”, relata a delegada.

Quando foi tomar o antibiótico que havia sido receitado (amoxicilina), passou mal. Segundo a mãe, o padrasto e a “vódrasta” (vamos assim chamar a mãe do padastro da criança, que ajudava a cuidar dela), Pedro Lukas vomitou, ficou ainda mais mole e entortou os pulsos e os dedos das mãos, como se estivesse tendo uma convulsão. Apavorados e sem carro, eles acionaram o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência).

O atendimento no Pronto Socorro

Foi na ambulância do Samu que Pedro Lukas chegou ao Pronto Socorro, acompanhado da mãe, do padastro e do irmão (um bebê de 3 meses). No atendimento, a médica plantonista teria dito à mãe que a garganta dele estava muito infeccionada; e a mãe confirmou, explicando que ele já estava tomando antibiótico há alguns dias. O procedimento seguinte foi colocar o menino no soro, pois ele não conseguia se alimentar.

Em algum momento do atendimento, a mãe e o padrasto trocaram de lugar: ele entrou pra acompanhar Pedro Lukas, enquanto a mãe foi para a recepção do P.S., onde ficou com o bebê de 3 meses. Em seu depoimento à Polícia, o padrasto conta que já com o soro, foi levar o menino ao banheiro. Como ele estava mole, com dificuldades pra se sustentar em pé, o padrasto segurou em seus braços com um pouco mais de força. Foi quando ouviu um estalo no braço utilizado para colocar o soro. Preocupado, ele então teria chamado a enfermeira e relatado o ocorrido, pedindo para verificar se o garotinho havia quebrado algum osso.

Na sequência, Pedro foi levado para radiografia, mas nem a mãe e nem o padrasto puderam mais acompanhá-lo. De acordo com os dois, a orientação era que eles retornassem apenas no horário de visita para ver a criança. E eles foram pra casa, tomar banho, além de dar banho e alimentar o bebê de 3 meses.

Desconfiando de maus tratos, a médica plantonista acionou o Conselho Tutelar. A conselheira tutelar registrou o Boletim de Ocorrência no plantão policial, às 15h43. Motivo do registro de maus tratos: fraturas no fêmur e no braço.Enquanto registrava o B.O., ela foi informada de que o estado da criança havia piorado e ela teve que ser entubada. Às 20h40, entrou em óbito.

Uma grande confusão

Vale lembrar que todo este relato é baseado na investigação da Polícia Civil. A apuração dos fatos aponta que a mãe de Pedro voltou ao Pronto Socorro, mas só foi autorizada a vê-lo novamente após sua morte. Pôde ficar com ele por cerca de 5 minutos. Foi ela quem avisou ao padrasto e à “vódrasta” sobre o falecimento da criança. Eles então foram ao P.S., onde foram impedidos de ver a criança. Também foram informados de que o corpo de Pedro já seria levado ao IML e orientados a registrar o óbito no plantão da Polícia Civil (Delegacia do Centro).

A Guia de Encaminhamento ao IML (Instituto Médico Legal), assinada pela médica plantonista, atestava “maus tratos” como a causa provável do óbito. Os exames complementares apontavam: nos raios-x, fratura do cotovelo e fratura crônica de colo do fêmur; e na tomografia de crânio, hidrocefalia e agenesia de corpo caloso (que são duas malformações cerebrais). Uma hemorragia conjuntival bilateral (nos olhos) também foi descrita no documento médico.

Com a Guia de Encaminhamento em mãos, a “vódrasta” prontificou-se a fazer o registro na Delegacia e pediu que o filho levasse a mãe de Pedro para casa, pois ela estava em péssimo estado emocional. A família achava que o corpo já havia ido para o IML, em Guaratinguetá. Após o registro do óbito, já em casa, a “avó” recebeu ligação da funerária, informando que era preciso alguém da família na Santa Casa para liberar o corpo para a necropsia. Não é possível precisar exatamente os horários, mas a família retornou ao P.S. na manhã da segunda-feira, 22 de janeiro; e o corpo de Pedro só foi para o IML por volta das 9h.

Agressões públicas antes mesmo do exame do IML

Enquanto isso, espalhou-se rapidamente a notícia de que uma criança havia morrido no Pronto Socorro, vítima de maus tratos. Antes que o corpo de Pedro Lukas fosse liberado, uma multidão se formou em frente à casa do garotinho. Os pais e a “avó” foram agredidos por populares, inclusive com pedaços de pau e de ferro, acusados de espancamento. Um vídeo com parte das agressões à mãe da criança circulou nas redes sociais.

Além de espancados, mãe, padrasto e “avó” tiveram suas casas (que são bem próximas) saqueadas e precisaram deixar a cidade, por correrem risco de vida. Devido às ameaças de morte, sequer puderam participar do velório e sepultamento de Pedro Lukas.

A apuração policial

“Desde o relato inicial da mãe da criança e da ‘avó’, pude perceber que a causa da morte, provavelmente, aconteceu em razão de uma infecção generalizada e não de maus tratos. Apesar do estado emocional bastante abalado, os depoimentos foram muito coerentes, com riqueza de detalhes, sem contradições. Elas realmente acreditavam que o menino estava sendo medicado por conta da infecção da garganta, mas não estava melhorando”, conta dra. Adriane.

No laudo da Santa Casa de Misericórdia de Lorena encaminhado à Polícia Civil, constam os seguintes problemas diagnosticados: encurtamento do membro inferior esquerdo em relação ao direito, necrose deformante da cabeça femoral e displasia de quadril.

O laudo do médico legista, que foi liberado nesta segunda-feira, 5 de fevereiro, atesta: a criança não apresentava nenhum sinal de maus tratos,abuso sexual e nem de hemorragia ocular. E nenhuma das fraturas apontadas eram recentes. “A fratura no braço é antiga e a mãe diz que não sabia da existência dela. E as fraturas no fêmur – existem diversas marcas de rachaduras nos ossos do quadril – aconteceram devido à displasia de quadril, que é um problema congênito bastante grave”, explica dra. Adriane. E completa: “Segundo explicações técnicas do legista responsável pelo caso, se as fraturas do fêmur tivessem acontecido por espancamento, a criança teria morrido de hemorragia. O problema do Pedro Lukas era tão grave que o fato dele conseguir andar era um milagre, porque as imagens mostravam um quadril sem condições de sustentação do corpo”.

Já em relação à causa da morte, a necropsia conclui que ela ocorreu pelo conjunto de problemas de saúde apresentados pela criança, agravados por uma possível tuberculose pulmonar. “O pulmão e o fígado estavam completamente tomados pela infecção. Mas ainda não chegou o resultado do exame com a confirmação da tuberculose. Na boca, a língua e os dentes para a frente sugerem insuficiência respiratória antiga. Ele também apresentava pequenas cicatrizes no pé e na cabeça, que quase toda criança tem, mas nada que chamasse atenção. Inclusive, quando Pedro caiu e machucou a testa, algum tempo atrás, o padrasto relatou que ficou impressionado com a resistência do menino à dor. Porque o corte foi profundo, necessitou de pontos, o padrasto até passou mal de nervoso e o menino não se abalou nem chorou”, afirma a delegada.

 Problema recentemente descoberto

Ainda de acordo com a investigação policial, a família só ficou sabendo que Pedro Lukas tinha malformações cerebrais no dia de sua morte. Até então, jamais teriam sido informados a respeito disso. E o diagnóstico da displasia de quadril é recente.

“A mãe do Pedro teve outro bebê há três meses, em outubro de 2017. Nessa época, ela relata que deixou o filho com uma irmã por cerca de quinze dias, para que pudesse cuidar do recém-nascido. Quando Pedro retornou pra casa, estava andando mancando. Essa tia fez insinuações graves: que Pedro mancava porque a mãe não cuidava dele direito e que o padrasto poderia estar abusando sexualmente dele”, diz a delegada.

“Desconfiando que a tia poderia ter maltratado Pedro, a mãe então levou-o ao médico. Foi nesta oportunidade que a displasia de quadril foi diagnosticada. Desde então, por orientação da Rede Pública de Saúde, eles estavam aguardando exames e novas consultas para acompanhamento ortopédico”, complementa.

Possível origem da tuberculose

O pai biológico de Pedro mora em Ubatuba. Em dezembro de 2016, ele solicitou à mãe da criança que ele pudesse passar o natal com o filho e o devolveria para o ano novo. A mãe consentiu, mas o menino não foi trazido de volta. “Ele dava notícias do Pedro, mas não contava onde estava. A mãe acionou o Conselho Tutelar de Lorena, que passou a procurar o menino. Foram meses na busca, até que, em abril de 2017, Pedro foi localizado e trazido de volta para a mãe. Ele já estava apreendido e abrigado pelo Conselho Tutelar de Ubatuba, desde 20 de março, por denúncia de estar vivendo em condições insalubres. E realmente estava, não por ser maltratado, mas por estar vivendo em extrema pobreza. Até na creche ele já estava matriculado. O pai é um ex-drogado e estava em tratamento de tuberculose. Por isso, é bastante possível que a tuberculose de Pedro tenha se originado nesse período que ele ficou com o pai biológico. Também pode ter sido nesse período que ele quebrou o braço”.

Condenação injusta que destruiu vidas

“O Pedro era um guerreiro diante de todos os problemas que tinha. Não era pra ter andado, apresentava atraso motor. Ele sofreu bastante em seu curto tempo de vida. E foi grave a informação completamente equivocada que se espalhou de maus tratos. Um boato que ficou rapidamente parecendo verdade. A médica encaminhou para averiguação, ok. Na dúvida, chequemos. Mas daí a já condenar os pais da criança, agredi-los, machucá-los, já é demais”, desabafa a delegada responsável pelo caso. “Essa mãe adolescente, de família desestruturada, fez tudo o que sabia fazer para cuidar do seu filho. Essa mãe adolescente tem 3 irmãs; todas têm entre 13 e 19 anos. Juntas, elas já tiveram 7 filhos”.

Além de terem passado pela traumática dor da perda do pequeno Pedro Lukas e de não terem tido a oportunidade de se defender, a mãe, o padastro e a “avó” tiveram suas casas saqueadas. Eles não têm mais nada. E continuam “jurados” de morte, segundo rumores que circulam pela cidade, especialmente na Cecap, bairro onde moram.

“Esse caso nos obriga a fazer uma reflexão: que a gente não pode sair divulgando as coisas sem a devida apuração. Para toda a equipe da Polícia Civil, foi chocante o tratamento que a mãe da vítima recebeu. Sim, porque ela é a mãe da vítima, não uma agressora. Ela perdeu o filho para uma doença infecciosa grave e foi tratada como criminosa. E agora é uma vítima também, da sociedade que injustamente a condenou. Eu sei que hoje há um desgaste de todas as instituições, mas temos que ter fé no Estado. Se houvesse a mínima suspeita de maus tratos, nós seríamos os primeiros a pedir a prisão preventiva dos envolvidos. A população pode confiar na Polícia, porque a gente dá o sangue pra fazer bem o nosso trabalho!”, afirma dra. Adriane.

E finaliza com um apelo: “Eu espero que essa mesma sociedade que condenou seja capaz agora de reconhecer que errou. Que apesar de tudo o que aconteceu, essa mãe, esse padrasto e essa ‘avó’ tenham a oportunidade de reconstruir suas vidas”.

Quem sabe, a comunidade lorenense possa dar a sua contribuição nessa reconstrução. Fica a sugestão…

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