1949 foi um ano de mudanças radicais para as professoras do Grupo Escolar Gabriel Prestes. Como o prédio da escola estava precisando de uma reforma, suas aulas foram transferidas para o velho Grupo Escolar Conde Moreira Lima, no final da rua Dr. Rodrigues de Azevedo, trazendo transtornos para a direção, corpo docente e alunos.
Dirigia a escola o professor Joaquim Ferreira Pedro, irmão do professor Alexandre, também diretor de escola. As professoras respeitavam e temiam o seu diretor: corpulento, sempre de terno ou usando camisas compridas, o professor Joaquim era a circunspecção em pessoa. As professoras substitutas, como a Rosa Fox Drummond, Anuar Samahá e Ema Deambule, respeitavam esse homem polido e sério, principalmente nos seus poucos momentos de raiva. Quais delas esqueceram o dia em que ele firmou o seu olhar severo, que uma verruga no olho direito deixava ligeiramente estrábico, numa substituta novata que descumpriu as suas ordens? Ali mesmo, no corredor principal da escola, ele passou-lhe uma grande descompostura.
Por outro lado, o ambiente da escola era muito agradável. No recreio, as professoras conversavam alegremente sobre tudo e todos.
Neste dia 17 de novembro de 1949, resplandecendo lá fora um dia de muito sol, elas discutem sobre os seus boletins de merecimento. Uma delas se gaba e lê para as colegas trechos do seu boletim:
“(…) Trata os demais professores com urbanidade. Trata os alunos com o cuidado e carinho necessários.
O livro de chamada está em dia, bem feito. Colabora com as autoridades. Prestigia e coopera nas campanhas organizadas pela direção do Estabelecimento”.
E vejam só este pedaço, lhes disse orgulhosa a dona do boletim:
Em 17 de agosto de 1949
Vi, hoje o “livro de chamada”.
Examinei o “diário de lições”. Em dia.
Fiz um ditado de duas sentenças.
A classe vai bem, felizmente.
Os cadernos dos alunos estão guardados no armário.
Apenas a Cláudia da Silva estranhou o diretor. Já se acostumou.
Lorena, data supra.
Joaquim Ferreira Pedro – diretor”
Todas se admiraram. Quantas não queriam que o seu diretor as elogiasse dessa maneira em seus boletins de merecimento…
Mas apesar do clima de confraternização reinante, as professoras estão apreensivas. Conforme a direção comunicou na tarde de ontem (o horário é vespertino), hoje as professoras terão a visita do inspetor escolar, professor Sinésio de Castro. Rigorosíssimo, ele faz questão de examinar em todos os detalhes o funcionamento da escola, observando os seus livros, questionando a direção, professores e os próprios alunos.
Daqui a pouco, os passos do inspetor ecoarão na escadaria da entrada da escola. Bate o sinal. Nervosas, as crianças em fila, as professoras recolhem-se às salas de aula.
Um murmúrio faz-se ouvir nos corredores da escola. No primeiro ano feminino B, sala da professora Rosa Fox Drummond, sorteada para a inspeção, percebe-se o ruído das crianças levantando-se de suas carteiras e a fala do professor Joaquim, que apresenta o inspetor aos alunos. O professor Sinésio conversa com a professora, que está muito tensa, e pede-lhe o livro de chamada. Ele é um homem carrancudo, de pouca fala, mas bastante simpático. Fisicamente é magro, de estatura média, usando sempre paletó e gravata, contrastando com o professor Joaquim, que é meio gordo.
Visto o livro de chamada, o professor Sinésio examina o diário de lições e o semanário da professora.
– Devidamente ilustrado – diz o inspetor.
Em seguida, ele faz duas perguntas para algumas alunas escolhidas a esmo. Finalmente, ao sair, as crianças de pé cantam uma musicazinha de boas vindas que a professora Rosinha lhes ensinou. O professor Sinésio elogia o adiantamento da sala e vai-se embora da escola.
Foi como se todos tivessem sido vítimas de um naufrágio:
– Estamos salvas! – disse uma das professoras sobreviventes.
Olavo Rubens Leonel Ferreira é formado em Direito, Ciências Sociais e Pegagogia. É mestre em Educação. Lecionou na Universidade de Taubaté, na Faculdade de Direito de Lorena, nas Faculdades Integradas de Cruzeiro, nas Faculdades Teresa D´Ávila de Lorena e no Anglo Vestibulares. Escreve muito; tem uma meia dúzia de livros publicados e a maior parte do que produziu ainda é inédita. Durante alguns anos publicou crônicas sobre Lorena no saudoso Guaypacaré, dos seus amigos João Bosco e Carolina. Mora em São Paulo.
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