A moça dessa foto é a Fabíola. A Fabíola é mãe do Pedro Henrique, de 17 anos, autista severo, diagnosticado ainda bebê. Eles moram no bairro Nova Lorena. Pedro é carinhoso, abraça e beija as pessoas com as quais mais convive, inclusive a irmã caçula, Laura, de apenas 7 anos. Mas tem crises constantes, desde a infância. E durante essas crises, torna-se bastante agressivo. Ele grita, chora, se autoagride e pode agredir aqueles que tentam interferir. Ele não é o tipo de autista evidenciado nas matérias sobre o tema. Mas ele existe e a batalha da Fabíola é diária. E é dura!
Com ajuda da família, Pedro tem um acompanhamento que custa, por mês, cerca de R$ 10 mil. Atualmente, ele é acompanhado por uma psiquiatra, uma psicopedagoga, dois educadores físicos e ainda tem uma cuidadora.
Contabilizando os tratamentos da vida toda, são dezenas de profissionais. Ainda assim, no seu quarto existe apenas um colchão, porque todos os outros móveis tiveram que ser retirados, por orientação médica, pela possibilidade de se tornarem objetos de autoagressão. Ele também tem grandes dificuldades de comunicação e interação social. Suas crises são difíceis de controlar. Mas já esteve muito pior. Os progressos (pequenos, mas importantes) só acontecem por conta das terapias, exaustivas; e da medicação, que é pesada, mas apenas paliativa.
Por seu comportamento agressivo, a Fabíola já teve até que gravar vídeos de suas crises para provar a vizinhos que não estava agredindo o filho. Ainda assim, sabe o que andaram fazendo? Em momentos de crise, tocavam a campainha sem parar, de forma que o Pedro ficava ainda mais nervoso. Chamaram a Polícia diversas vezes, anonimamente, denunciando essa mãe por maus tratos. Arremessaram pedras e uma garrafa de cerveja em sua casa, por cima do muro. Esfregaram cocô no muro da frente da casa. Eles foram viajar e quando voltaram, havia uma placa de “Aluga-se” em seu portão. Gritaram com palavras ofensivas ao Pedro, que não valem ser reproduzidas. Triste, mas real. Você imagina como é a vida dessa família?
Pelos últimos acontecimentos, a Fabíola fez Boletim de Ocorrência na Delegacia de Defesa da Mulher de Lorena, também responsável pelos menores da cidade. “Juridicamente, num primeiro momento, esses autores podem ser processados por perturbação do sossego, injúria real, constrangimento ilegal e até mesmo perigo para a vida”, explica a delegada responsável pelo caso, dra. Adriane Gonçalves. “Alguns desses crimes são crimes de menor potencial ofensivo. A pessoa é processada e responde perante a Justiça. Talvez até não seja necessariamente condenada à prisão, mas terá ficha criminal. Além disso, o autor pode ter que pagar indenização por dano moral. A busca por indenizações ainda é discreta no Brasil, mas precisa ser estimulada porque as pessoas precisam entender que essas atitudes trazem consequências e elas precisam sofrer as consequências”, completa dra. Adriane.
A delegada faz considerações importantes: “Porém, mais do que isso, o que a gente precisa resgatar é a tolerância, a compreensão, a humanidade. Ter um pouco de empatia e colocar-se no lugar do outro. Pra viver em sociedade, é preciso que as pessoas entendam que o espaço do outro tem que ser respeitado. Alguma coisa do vizinho me incomoda? Possivelmente. Mas pra não haver esse tipo de incômodo, só se vivermos em chácaras. Porque enquanto vivermos em ruas habitadas, as famílias vão ter suas peculiaridades e é preciso haver tolerância. E se houver algum problema, ao invés de agredir, tente o diálogo. É mais fácil e surte mais efeitos”.
Finalizando, dra. Adriane deixa um recado a quem sofre, como a Fabíola e seu filho: “Em especial, nesses casos de condições físicas ou psicológicas especiais, a Delegacia e o Judiciário estão de portas abertas para prestar o apoio necessário. Porque além das dificuldades próprias que as condições já trazem, a gente não pode admitir que fatores externos agravem ainda mais a rotina do dia a dia. Precisamos resgatar o ser humano, que está assustadoramente desorientado”.
Para a psicóloga Maria Fernanda Silva, especializada em TEA (Transtorno do Espectro Autista), a questão das crises agressivas, quando se fala sobre TEA, é muito delicada, pois envolve os cuidados necessários para que a pessoa tenha sua integridade física mantida. “Não danifique patrimônio físico e materiais dos familiares. O desgaste do cuidador principal é imenso, além da preocupação com os danos ao próprio autista”, alerta Maria Fernanda. E orienta: “Ocorrendo as crises agressivas em casa, os vizinhos podem ficar incomodados com os barulhos, mas nesse momento, o apoio a família é muito importante, pois quem convive, sabe quão doloroso é. Inclusive, indico sempre o curso de segurança em crises agressivas, pois com ele, é possível aprender o manejo correto em cada situação. E caso se sinta incomodado com o vizinho que grita à noite, peço que se coloque no lugar dessa mãe e pense: ‘e se fosse meu filho?’”.
A atitude de contar a sua história partiu da Fabíola. Não porque ela quer aparecer ou se justificar pelo comportamento de Pedro Henrique. Essa mãe já foi agredida várias vezes pelo filho; mesmo assim, nunca teve coragem de interná-lo numa instituição psiquiátrica. Recebe muitos olhares de curiosidade e até de reprovação, quando sai com ele pra passear. Mas ela não desiste dele. E não quer que outras pessoas passem pelo que ela e sua família têm passado.
Portanto, fica o pedido de reflexão. Ao invés de atirar pedras, estenda a mão, dirija uma palavra de apoio. Ao invés de tocar a campainha pra irritar ainda mais o autista, pergunte a essa mãe se você pode fazer algo para acalmar seu coração desesperado. Ao invés de jogar pedras ou garrafas de vidro por cima do muro, ao invés de esfregar cocô no muro, questione-se: “E se fosse meu filho?”
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