A saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde, anunciada hoje, 16 de abril, pode ser reduzida a uma palavra: coerência. É difícil apoiar a demissão de um líder ponderado como Mandetta, cujo semblante antagoniza com o perfil intempestivo do chefe do Executivo Federal. Sim, pode-se rotular Bolsonaro de muitos adjetivos, até de intempestivo. Menos de incoerente.
Certo é que a popularidade do agora ex-ministro o projetava para a um posto menos coadjuvante. A visibilidade dele, médico ortopedista e parlamentar pelo DEM, o credenciava para senador ou governador do Mato Grosso do Sul, pelo menos. Quiçá até presidente da República.
Mandetta gosta de política e, nesta seara, ostentava vasta experiência. Filho caçula do ex-vice-prefeito de Campo Grande, Hélio Mandetta, também médico, sempre foi um bom articulador. Considerado conservador, era contra a legalização do aborto e ferrenho oposicionista da ex-presidente Dilma Roussef (PT). Mostrou-se ainda favorável ao uso da maconha para fins medicinais.
Media as palavras e as usava de maneira impactante para causar comoção, como na frase “um médico não abandona o paciente”. Tal declaração mereceu resposta quase imediata do chefe que, incomodado com o suposto estrelismo do subordinado, declarou que “paciente pode trocar de médico”. Daí para a demissão foi rápido.
O desgaste da relação entre presidente e ministro aconteceu quando o primeiro passou a defender um isolamento vertical, mais brando, em substituição ao horizontal, este em que ninguém pode sair de casa.
O distanciamento vertical se restringe a afastar apenas a população com mais risco de complicações em caso de contaminação pelo covid-19.
Outro ponto de divergência foi o uso da hidroxicloroquina com azitromicina no começo do tratamento de quem contrai o covid-19. Bolsonaro era favorável e o ex-ministro, contra.
Sabe-se que o tratamento com hidroxicloroquina sai por R$ 67. Uma UTI custa R$ 1.300 por dia. Já um leito para internação vale R$ 700 diários.
É provável que Mandetta seja absorvido na equipe do governador de São Paulo João Dória (PSDB), que mantém um olho no Palácio dos Bandeirantes e outro no Palácio do Planalto. Este, sim, adora holofotes.
O que demitiu Mandetta foi a dificuldade para entender a preocupação com as consequências econômicas que a crise motivada pelo coronavírus culminaria (ou culminará). É uma postura diferente da esperada pelo novo ocupante da pasta da Saúde.
Além disso, Mandetta incomodava Bolsonaro em vários aspectos. Suscitava debates públicos sem antes consultar o chefe. Também privilegiou o mercado externo na aquisição de equipamentos de prevenção à pandemia. O presidente queria favorecer a indústria local, como qualquer líder, em qualquer país.
O médico oncologista e empresário Nelson Teich é uma aposta. Além da visão econômica, ele trará uma dinâmica interessante para o setor em um cenário pós Covid-19: investimento nas pesquisas em busca da cura do câncer, cuja incidência de mortes no Brasil e no mundo é altíssima.
Quem lidera um time sabe que precisa ter ao lado gente de confiança e que não dispute o poder. Gente que saiba falar em particular antes de anunciar algo publicamente, o que pode fomentar o pânico – e tranquilidade é quesito primordial neste momento.
Um comando deve apontar para uma única direção. E boa parcela da população brasileira escolheu que a direção apontada por Bolsonaro é a que deve ser seguida, goste fulano, desgoste sicrano. É isso.
José Aurélio Pereira é jornalista, professor universitário e mestre em Comunicação. Atua em Lorena como empresário, no setor da Educação.
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