Profissionais da Saúde estão entre os mais afetados pela pandemia mundial de coronavírus. Não poderia ser diferente na região. Em praticamente todos os casos, o medo é um sentimento constante, apresentando fatores de risco ou não. Medo do desconhecido. Medo da doença se manifestar. Medo de agravar. Medo de morrer. Ainda assim, eles enfrentam os sentimentos negativos e seguem na linha de frente. Corajosos. Determinados. Cheios de vontade de fazer a sua parte, mesmo que salvar o próximo coloque a própria vida em risco neste momento (mais do que nunca). Ainda que o próximo, na maioria das vezes, seja um desconhecido.
Aos 27 anos, a cruzeirense Raphaela Calazans de Moraes entrou na estatística. Técnica e acadêmica de Enfermagem, ela trabalha em um hospital da região, mas provavelmente, contraiu o coronavírus no atendimento a um paciente em home care (cuidados em casa). Esse paciente não era nem considerado suspeito, mas a confirmação veio semanas após esse atendimento.
Segundo Raphaela, seus primeiros sintomas começaram cinco dias depois do trabalho de home care. “Apresentei sinais de rinite alérgica, que já estou habituada a ter. Mas com ela, também vieram a perda do olfato, dores de cabeça e dores no corpo”. Raphaela não desenvolveu a forma grave da doença. Não teve febre nem falta de ar. “No quinto dia, tive uma dor no corpo diferente de tudo que já senti. Pareciam pontadas. Começou no tórax, desceu para o abdômen, espalhou-se pelo corpo todo, mas no outro dia, desapareceu por completo. Muito estranho”, relata.
A profissional de Enfermagem conta que tinha muito medo de contrair a doença e, depois do diagnóstico positivo, tinha medo de como o vírus iria se desenvolver em seu organismo. “O pior momento foi o quinto dia, com aquelas dores todas. Eu só ficava imaginando como seria a evolução, temia que a falta de ar viesse na sequência, mas não foi assim, graças a Deus”.
Apesar de arriscar a própria vida para cuidar de pacientes desconhecidos, Raphaela revela que sentiu o preconceito. “Mesmo sem sair de casa, eu pude perceber a ignorância de algumas pessoas. Tive total apoio da família e de muitos amigos, mas senti a falta de empatia e de informação por parte de várias outras pessoas”.
Isolamento domiciliar
Raphaela mora com os pais, numa casa de apenas 4 cômodos, e passou os 21 dias de isolamento em seu quarto. Para não colocar os pais em risco, ela só saía para usar o banheiro ou tomar banho. “Sempre que eu ia sair do quarto, avisava antes, para eles não ficarem por perto. Nunca saía sem máscara N95 e era a última a tomar banho, todos os dias. Meus pais também não ficavam sem máscara dentro de casa”, lembra ela.
Outras medidas de higiene que Raphaela adotou: “Pegava nas maçanetas com papel toalha, para não tocar diretamente com as mãos. E mesmo assim, logo na sequência, borrifava tanto as maçanetas quanto o vaso sanitário com álcool 70%. Mesmo procedimento com todas as coisas que eu tocava”.
Durante os 21 dias de isolamento, nem Raphaela nem os pais saíram de casa. “Quando uma pessoa na família entra em isolamento por Covid-19, a família inteira entra também. Minha mãe colocou um banco na porta do meu quarto, onde colocava minhas refeições. Eu só abria a porta quando ela saía de perto. Eu comia e colocava pratos, talheres e copos de volta no mesmo lugar. Ela retirava com máscara e luvas, e depois deixava tudo de molho com água sanitária”.
Como a casa é muito pequena, a técnica de Enfermagem conta que a rotina de higiene e limpeza tinha que ser rígida. Todos os produtos de higiene de Raphaela também ficavam em seu quarto, de forma que, quando ela precisava usar o banheiro, levava os seus. Assim, ela e os pais não usavam produtos em comum.
Sacrifício que valeu a pena, pois além de seu quadro não ter se agravado, os pais não apresentaram sintomas da doença. Se a tiveram, ficaram assintomáticos, mas não chegaram a fazer exame para confirmar ou não.
De volta à vida
O isolamento de Raphaela começou em 12 de abril e chegou ao fim em 3 de maio. Ela agora já está de volta ao trabalho e à vida, pela qual temeu em diversos momentos. “A gente se sente sozinha o tempo inteiro. É muito ruim ficar tantos dias confinada, sem poder chegar perto de ninguém, sem nenhuma certeza e ainda com medo de contaminar as pessoas que eu mais amo. Mas aprendi que preciso valorizar mais quem valoriza a minha amizade. Aqueles que estiveram comigo, mesmo que a distância, são os que sempre estarão”.
Para ela, não há como atravessar a doença e manter-se igual. “O interior da gente muda. Passamos a dar valor a cada instante de liberdade e agradecer por cada dia de vida”.
Finalizando, Raphaela aproveita para deixar um recado: “Siga as recomendações de higienização e distanciamento social. E caso precise passar pelo período de isolamento, estude, se informe, siga as regras de higienização e limpeza, aprenda a usar as máscaras corretamente e não desacredite do potencial de contágio e letalidade desse vírus. O que estiver ao seu alcance para prevenir mais contaminações, faça”.
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