Por José Aurélio Pereira
As denúncias de assédio contra o ator e roteirista Marcius Melhem ganharam novos elementos na última semana. A revista Piauí deu detalhes de como teria ocorrido a investida de Melhem contra Dani Calabresa e contou como a ex CQC se esquivou do roteirista que a levou para a Rede Globo. A repercussão tem sido grande.
Marcius Melhem foi ouvido por Maurício Stycer e concedeu entrevista oferecendo versão contrária. Desmentiu Calabresa, obviamente.
Stycer, sabiamente, entrevistou Melhem ao lado da jornalista Doloris Orisco. A entrevistadora equilibrou muito bem a conversa, mostrando um contraponto inteligente e feminista. Alertou sobre a tendência de se menosprezar a versão de uma mulher considerando-a, muitas vezes, exagerada.
Vários artistas se posicionaram contra os abusos de Melhem, entre os quais o ex-melhor amigo Leandro Hassum.
É inaceitável usar do poder do cargo para obter privilégios sexuais.
Na entrevista a Stycer, o que mais me chamou atenção foi a relativização do assédio. Afinal, para manter o clima bem humorado da produção cômica, tudo deveria ser considerado uma brincadeira inocente. Até ficar pelado como em uma praia de nudismo.
Impressionante como a mulher que fala, em vez de ser chamada de corajosa, passa a ser a parte que mente. Foi exatamente o que declarou a advogada de Dani Calabresa e das outras vítimas, Mayra Cotta.
Mayra, que concedeu entrevista a Roberto Cabrini, comentou que casos de assédio só vão acabar quando “a vítima deixar de ser culpada”.
Pergunto: o que Dani Calabresa ganharia ao inventar tal história? E as vítimas compactuaram com ela na mentira? Testemunhas estão inventando também?
O jornalista Daniel Castro escreveu que a Globo deveria ter associado o afastamento de Melhem às denúncias de assédio, o que não aconteceu. Segundo a direção da emissora, o ator e diretor teria sido afastado para resolver problemas pessoais.
Melhem fala que o julgamento público não deve ocorrer. Afinal, a mídia o expôs e o público supostamente o condenou.
Ele quer ser julgado pela “justiça”, não pela mídia ou pelo público. Vamos a algumas inconsistências:
Primeiro: não quer que falem de você, seja anônimo. Isso serve para o artista, para o político ou qualquer um a buscar fama. Ser célebre e ficar exposto são realidades que caminham juntas.
Segundo: graças à mídia, serial killers e abusadores foram desmascarados. Depois, a justiça os penalizou, aplicando as leis cabíveis.
Os meios de comunicação fazem um belíssimo trabalho de formar opinião, de aguçar o senso crítico. É a pedagogia da comunicação, de que tanto nos orgulhamos enquanto jornalistas. Um país calado não cresce.
Melhem, você mostrou o trabalho e ecoou a sua arte. Julgou pela sátira, diga-se de passagem. O humor é ferramenta eficaz de conscientização também. Respeito-o. Admiro bastante os humoristas inteligentes da atual geração.
Peço, Melhem, que respeite os jornalistas. Respeite as vítimas também. Respeite as pessoas que não se calam perante as tentativas de manipulação.
Ética é respeitar o outro. Sempre o respeito – a repetição da palavra é proposital. Não adianta agora dizer que “teve comportamento tóxico”. O estrago já aconteceu.
Obrigado àqueles que se mostram. Só assim conseguiremos acabar com comportamentos repulsivos e vergonhosos. Evoluir é preciso sempre (não canso de escrever esta frase). É isso.
José Aurélio Pereira é jornalista, professor universitário e mestre em Comunicação. Atua em Lorena como empresário, no setor da Educação.
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