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Saúde em foco

15/11/2014

Atendendo aos pedidos de diversos leitores, a partir desta semana, escreverei sobre a saúde de forma geral, com o objetivo de levar a vocês uma reflexão sobre a atual assistência em saúde no nosso país. Para uma melhor compreensão de onde estamos, vamos começar a entender como tudo aconteceu. Preparem-se para, nesta e nas próximas semanas, viajarem na história da saúde do nosso Brasil.
1- Santas Casas de Misericórdia – histórias 
de lutas diárias há mais de 472 anos!

(Parte 1)
Muitas vezes elogiadas e outras tantas criticadas, o fato é que, quando nos referimos às Santas Casas, não fazemos ideia da sua dimensão histórica e de sua importância cultural, social, política e econômica através do tempo.
As pestes constantes e a pobreza da Europa Medieval fizeram, já entre os séculos XI e XIII, as “Misericórdias” proliferarem no atual território italiano e, com a disseminação da peste negra em solo Português, no dia da “Piedade”, em 15 de agosto de 1498, “a irmandade de Nossa Senhora, Mãe de Deus, Virgem da Misericórdia”, foi consagrada numa capela da Catedral de Lisboa, sendo levada para todas as colônias portuguesas já com o nome de Irmandade da Santa Casa de Misericórdia. O objetivo principal era a obra compilada de São Tomás de Aquino do século XII, ou seja, levar auxílio aos mais necessitados, tanto espirituais (ensinar os ignorantes, dar bons conselhos, consolar os infelizes, orar a Deus pelos vivos e mortos) quanto corporais (resgatar cativos e visitar prisioneiros, tratar os doentes, vestir os nus, dar comida aos famintos e água aos sedentos, abrigar viajantes, pobres e “expostos” e sepultar os mortos). 
Em 1525, já havia mais de 60 Misericórdias em Portugal, ganhando a importância dos estudos da medicina e representando um papel de destaque na política, religião e economia, pois o rei de Portugal, aproveitando do intenso domínio religioso da época, estimulou que os fidalgos ricos, burgueses e religiosos fundassem uma irmandade de misericórdia em troca de privilégios, como isenção de tributos e títulos de nobreza.  Assim, serviriam a Deus e ao Rei e, desta forma, ficou livre da assistência social, direcionando os recursos econômicos para a crescente e caríssima indústria naval, descobrindo terras de além-mar em busca de ouro e pedras preciosas, chegando ao Brasil e trazendo os religiosos jesuítas e os donatários de terras, fundadores das nossas primeiras Santas Casas de Misericórdia.
Existe uma controvérsia entre os historiadores quanto à fundação da primeira Santa Casa no Brasil: entre Olinda (que alguns afirmam ser de 1539) e a de Santos (em 1542, fundada por Brás Cubas).  Porém, a maioria atribui à Capitania de São Vicente a nossa primeira Misericórdia, em detrimento da Capitania de Pernambuco, mas o fato é que, de tão importante que se tornaram, precederam a própria organização jurídica do Estado Brasileiro. Foram nossas primeiras organizações, se espalhando e se tornando nossas principais instituições de saúde.
Foram fundadas: 1549 – Santa Casa de Misericórdia de Salvador, 1551 – Santa Casa de Misericórdia de Vitória, 1582 – Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, 1599 (1560) – Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, 1602 – Santa Casa de Misericórdia de João Pessoa, 1619 – Santa Casa de Misericórdia de Belém, 1657 – Santa Casa de Misericórdia de São Luís, 1792 – Santa Casa de Misericórdia de Campos de Goitacazes; e até a independência, mais seis foram fundadas. 
Contam que para atender aos tripulantes da esquadra do Almirante Diego Flores Valdez, na Baía de Guanabara, que estavam sofrendo de escorbuto, no dia 25 de março de 1582, o padre José de Anchieta improvisou um barracão rústico coberto de palha, tratando e salvando muitos marujos com frutas silvestres e ervas. Foi assim que ele fundou a Santa Casa do Rio de Janeiro.
As cidades do Brasil Colônia eram impregnadas por peste bubônica, cólera, febre amarela, verminoses diversas, desnutrição, varíola, doenças venéreas, cólera, entre outras doenças, sem contar a grande massa de mendigos, loucos, idosos e mulheres abandonadas com seus filhos pelos maridos. Essas, fracas e sem eira nem beira, não tinham outra opção e abandonavam seus filhos no que ficou conhecido como “A roda dos Expostos”, aumentando ainda mais as atribuições das nossas primeiras Santas Casas, pois além de ficarem sempre superlotadas por esses infelizes, ainda davam conta de cuidar e criar as crianças abandonadas ou órfãs. 
A Roda dos Expostos era fixada ao muro da Santa Casa, na qual era depositada a criança indesejada. Num sinal sonoro, giravam a roda com a criança para dentro do hospital, sem que a identidade de quem ali a colocasse fosse revelada. As crianças eram acolhidas e educadas pela instituição. O Código de Menores de 1927 aboliu as Rodas dos Expostos, mas na prática ela continuou existindo na Santa Casa de São Paulo, sendo extinta definitivamente no dia 5 de junho de 1949.
Com enorme carência de médicos, o tratamento aos doentes nas Santas Casas do Brasil Colônia era à base de chás, benzeduras e ervas. Sangramentos eram comuns, e os partos eram assistidos por mulheres chamadas de comadres ou curiosas nas casas das parturientes, as famosas “parteiras”.
Com a vinda da Família Real em 1808, as Santas Casas das Capitais das principais províncias também se transformaram nas nossas primeiras Faculdades de Medicina e campos de estágios para a nascente enfermagem brasileira, mas isso é assunto para nossa próxima coluna. 
Carta Dor de Mãe
(deixada junto com uma criança na Roda dos Expostos, 
no dia 21 de maio de 1922, na Santa Casa de São Paulo)

Roda dos Expostos
“Filho não posso agasalhar‐te a vida
Parece que a vida me vai finar
Quem te pudesse, a ti Serafim
Levar junto a mim, para a campa final
A campa eu vou ai depois da morte
Quem sabe a morte que minha alma tem
Que anseios filho que assaz profundo
Vai neste mundo a vida de tua mãe
A todos perdôo que me deram
E guarda os segredos que me ouviste aqui
E se avistares do Senhor a sede
Por mim lhe pede que eu também morri
Vai filho que te deram seus cantos
Por estes prantos que os meus olhos tem
E se em mim perder maternal ternura
A Virgem pura que seja sua Mãe
Teu pai rogado por inglória surda
Que vida orrenda viverá também
Sem o destino nosso, não puder saber
Se foi morrer, meu filho e tua Mãe
Seu morrer de deixarei somente
Hum beijo ardente de derradeiro adeus
São os tezouros que eu para ti contenho
Nada mais tenho que oferecer‐te os Céus
Fim
Pelas chagas de Cristo
Lhe peço guardarem este papel
Junto com meu filho que eu se deus
Me der vida e saúde daqui alguns mezes darei
O que eu puder para encontrar meu filho
peço não o darem sem que levem uma carta
igual a esta e o retrato também
Se morrermos sem nos vermos mais de Deus
nos junte nos Céus
Adeus Meu Filho pede a Deus por mim Adeus”.

COLUNISTAS / Mafu Vieira

Valdemir Vieira, popularmente conhecido como Mafu, é formado em Enfermagem e Obstetrícia pela Unitau, pós-graduado em Terapia Intensiva e mestre em Enfermagem Psiquiátrica pela Escola de Enfermagem da USP, com trabalhos apresentados no Brasil e exterior, além de responsável técnico de Enfermagem do Caps (Centro de Atenção Psicossocial) – Lorena. Professor convidado nos cursos de pós-graduação da Fatea e outras universidades das cidades vizinhas, palestrante dos assuntos de políticas públicas e motivacionais, Mafu também é formado em Professional and Self Coaching, potencializando as lideranças profissionais em diversas empresas e em áreas distintas. Lorenense nato e ex-vereador, está sempre envolvido e atento aos assuntos da cidade e vem, com a mesma performance de colunista que foi do Jornal Guaypacaré, diretamente para a coluna, de mesmo nome, no Portal “O Lorenense”. Com ele, são “Outros Papos”…



maphus@gmail.com

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