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Das coisas inusitadas que já fiz

26/03/2015

É fato que nosso comportamento é ditado por normas e regras sociais e que convivendo com as pessoas, conseguimos interagir de maneira adequada a cada situação. Sempre defendi a inclusão da pessoa com deficiência visual no universo das que enxergam, evitando que se isolem em guetos e tenham comportamentos padronizados, estigmatizados pela cegueira.
 
A bengala longa, o Braille, os óculos escuros são elementos que se tornaram símbolo da cegueira, embora o espanto das pessoas seja visível, muito mais pelo que um cego consegue fazer, do que por suas limitações.
 
Abordei por diversas vezes dicas de como conviver e ajudar uma pessoa cega e com baixa visão, embora não exista uma receita, um manual. Afinal, a cegueira não é um produto a ser consumido e, por isso, o comportamento inclusivo vale para os dois lados.
 
Não são raras as vezes que me oferecem espelho em lojas de roupas e sapatos e, nesse caso, temos que tomar um cuidado imenso para que o vendedor não se sinta constrangido. Explicar sobre a deficiência visual com bom humor é sempre uma das melhores  saídas. Já aceitei o espelho e pedi para que o vendedor ou minha acompanhante fossem os meus olhos naquele momento.
 
Já decidi por uma roupa vermelha no lugar de uma amarela e deixei o atendente sem saber os motivos que me levaram àquela escolha.  Para a maioria deles, um cego não precisa nem é capaz de combinar cores.
 
Já virei o rosto para o lado, no primeiro sinal de que algo caíra no chão, mesmo sabendo que não ia enxergar. Também já penteei cabelo na frente do espelho, folheei revista e conferi, de ‘mentirinha’, a bomba de gasolina só pra não contrariar o frentista.
 
Já saí correndo para atender o telefone e perdi as contas de quantas paredes novas surgiram pelo caminho. Também já vesti um chinelo de cada cor só porque levei pra casa modelos iguais.
 
Já olhei pra tela do celular quando alguém tentou me mostrar uma foto e liguei o Skype para ver a roupa nova que uma amiga comprara, sem me dar conta de que não iria conseguir.
 
Já imaginei alguém gordinho e me surpreendi quando descobri o contrário. O contraste entre a cor da pele, o tom do cabelo ou o colorido dos olhos nos fazem mais iguais fisicamente e outros detalhes ficam em evidência.
 
Já guiei outro cego e acenei, despedindo-me dele, caindo na gargalhada em seguida.
 
Já apontei, na tela desligada do computador, um texto para que um colega que enxerga tivesse acesso enquanto eu lia o mesmo conteúdo com auxílio do software leitor de tela.
 
Já apresentei um pôster escrito em Braille num seminário de conclusão de curso porque fui impedida de usar qualquer recurso de acessibilidade. E talvez esse tenha sido o exemplo mais real de que a inclusão é uma via de mão dupla. Porque ali, diante daquele trabalho, a examinadora que não sabia ler Braille estava na mesma situação de um cego que não consegue ler conteúdo impresso.
 
O convívio sempre será a melhor referência para a construção de um comportamento inclusivo. Sendo assim, enriquece aquele que tem a coragem de enfrentar os receios e desafiar os limites para aprender que a diversidade faz parte desse aprendizado.

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