Enquanto a educação inclusiva vai se consolidando no cenário atual com a crescente matrícula de alunos com deficiência nas escolas regulares, as legislações que garantem esse acesso parecem pouco suficientes para fixar um parâmetro de qualidade no percurso escolar desses estudantes.
Na década de 90, quando frequentei o ensino regular, os indícios que sustentavam as bases de uma educação inclusiva eram mais baseados na boa vontade dos professores e numa boa conversa do que pela força de documentos normatizadores de uma conduta generalizada no trato com alunos que apresentam algum tipo de deficiência.
Lembro-me com muito carinho daqueles professores que não se importavam em falar em voz alta o que escreviam no quadro para que eu pudesse acompanhar. Ainda outros, chegavam do meu lado para explicar o conteúdo. Das provas ampliadas e dos colegas que ditavam matérias ou ainda emprestavam suas anotações para que eu pudesse estudar pela leitura através dos olhos de alguém. Ainda do esforço dos meus pais em ditarem para que eu replicasse o conteúdo de livros e apostilas em Braille. Nenhum deles era especialista, e mesmo assim não se intimidavam diante de uma situação pouco comum naquela época. Não existiam recursos de tecnologias suficientes avançados para maximizar a nossa participação igualmente aos demais.
Os professores me abordavam com muita naturalidade, nunca senti espanto ou rejeição por parte deles e isso me transmitia muita confiança naquilo que eu era capaz de conseguir. Entre os colegas eu sempre fui aluna apesar da deficiência, diferentemente dos adjetivos que ganharam popularidade mais tarde, como ‘especial’, por exemplo.
É óbvio que as dificuldades também foram imensas em conseguir materiais adaptados e recursos que pudessem reduzir o impacto que a falta da visão provocaria para o acesso a informação. Porém cada um tinha suas responsabilidades para uma trajetória que pudesse ser bem sucedida. A parceria família, escola e aluno foi fundamental e ninguém carregou a culpa de uma inclusão burocratizada, feita pelas amarras da lei.
Sequencialmente tornei-me representante da educação inclusiva e como pedagoga passei a conviver também com o outro lado da situação. Do mesmo modo em que ampliaram os debates sobre essa educação inclusiva, proporcionalmente surgiram casos de violação e negligência desse direito, com justificativas que vieram confirmar a resistência de muitos profissionais em lidarem com esse público.
Tenho sido procurada por muitos pais e mães de crianças com deficiência visual com a queixa de que não estão tendo suporte ou acompanhamento adequado para os seus filhos. Relatam que na escola regular, sem a presença de um professor especialista, as crianças ficam isoladas, sem participarem das atividades e sem condições de evoluírem no processo de aprendizagem. As crianças cegas envolvidas nesses casos revelam um crescente desinteresse, porque não são incentivadas e a responsabilidade da escolarização recai sobre esse tal de professor especialista, que muitas vezes não existe dentro dessa instituição de ensino.
O aluno cego vira alvo de políticas públicas que nem de longe atendem suas necessidades, nem os anseios dos familiares por uma educação digna e de qualidade. Os professores alegam não saber lidar com essa diversidade, ou porque não sabem Braille e desconhecem as tecnologias assistivas, ou porque se apegam nas falas estigmatizadas dos seus superiores. Por não conseguirem se comunicar com aquele aluno se isentam da responsabilidade de ensiná-lo qualquer coisa que seja.
O fato é que está cada vez mais difícil incluir o aluno cego sem que antes ele seja encaminhado para escolas especiais, atendimentos especializados ou aulas particulares com professores especialistas, como se fosse a única saída. Essa ‘prontidão’ revela um retrocesso à época em que a integração reinava e o aluno precisava antes estar pronto para frequentar as salas regulares e esse preparo se dava isolado ao ambiente comum de ensino.
Não estou com isso reduzindo a importância do professor especialista no acompanhamento de um aluno cego ou com baixa visão, mas não é coerente condicionar a escolarização dessas crianças à presença deles. Hoje temos ferramentas suficientes para driblar as limitações de comunicação escrita entre cegos e quem enxerga. O Sistema Braille é um código de fácil acesso e embora tenha suas especificidades, todos podem ter acesso a esse conhecimento. Gravadores de voz, grupos de trabalho colaborativo, jogos e materiais pedagógicos em relevo, computadores com leitores de tela e até celulares com recursos sonoros são exemplos de que a tecnologia é uma aliada na inclusão. Investir em formação docente também é uma boa saída.
Acontece que segregar alunos cegos junto com seus pares parece a melhor solução adotada por alguns gestores municipais. Afinal dentro daquele espaço eles estão seguros de que não serão incomodados, de que não serão questionados e de que, afinal estão cumprindo com suas obrigações. E os pais dessas crianças ficam sem saber a quem recorrer para garantir dignidade aos seus filhos.
O professor do ensino regular pode lançar mão de inúmeras estratégias para atender um aluno cego, mas também é preciso que as ferramentas de tecnologia estejam incorporadas ao seu cotidiano pedagógico. Além de aprender Braille em cursos de formação específicos, eles podem confeccionar materiais em relevo, usando produtos reutilizáveis. Podem também gravar, com celulares ou computadores, textos para que seus alunos cegos acompanhem o conteúdo, além de falar em voz alta o que escrevem, descrever imagens, fotografias e trocar expressões de apontamento, como isso, ali, lá, por nomes concretos. Organizar o mobiliário de modo que o ambiente fique acessível, adequar algumas marcas de referência e utilizar a criatividade para desviar o olhar para outras percepções. Se cada um fizer um pouquinho, todos ganham com a inclusão.