• SANTA CASA SECUNDARIO

FOTOS
VÍDEOS

De olhos fechados

17/11/2014

De olhos fechados, o mundo é cheiro… é som… é sabor… São formas e texturas que se fundem num constante e sincronizado movimento. Pode ser também sentido pelo calor de um abraço ou pela força de um aperto de mão. De certa forma, quando se está com os olhos fechados, ampliam-se as percepções sobre aquilo que não se pode enxergar.
As pessoas se tornam vítimas da dependência da visão, como o único canal confiável para obter informações sobre o que as rodeia, e acabam por anular a importância dos outros sentidos diante de uma descoberta ou de uma nova possibilidade. E quando se veem frente a frente com uma pessoa com deficiência, ou reproduzem o estigma da inferioridade ou tratam de colocá-las no posto de herói. A palavra do momento passa a ser “superação”.
Sobre “superação”, tenho minhas restrições. Embora tenha havido uma vitória, uma conquista considerada impossível para alguns, certamente foi fruto de treinamento, disciplina, estudo, dedicação, equilíbrio, perseverança, força e concentração. E o perigo está justamente na relação estabelecida entre a vitória e a deficiência. Alguém que não enxerga, por exemplo, superou a cegueira para se tornar um advogado de sucesso? 
Pelo contrário, ele só se tornou um advogado de sucesso porque desenvolveu as qualidades e habilidades necessárias para essa conquista. Pessoas com deficiência visual precisam ultrapassar uma série de obstáculos e desafiarem inúmeras dificuldades decorrentes da ausência de espaços, de produtos e de serviços acessíveis, como um livro em Braille, uma calçada com piso podotátil, um evento com audiodescrição, por exemplo. Mas não se pode viver em função de uma deficiência, até porque não convivemos em guetos, cuja condição física, sensorial ou intelectual, definem a personalidade e moldam o meio externo conforme um padrão determinado.
É preciso reavaliar constantemente o que significa ter uma deficiência, porque a ausência de um sentido não pode ser fator determinante na evolução do indivíduo. Por isso, costumo dizer que a “superação” é inerente ao ser humano e não apenas à pessoa com deficiência. A “superação” depende muito mais dos fatores externos e do enfrentamento de situações adversas do que simplesmente fechar os olhos para aquilo que não está ao alcance da visão de alguém. Diante disso, permita-se experimentar novas sensações e perceber o que realmente te faça “superar” as dificuldades individuais impostas pela natureza ou pelas circunstâncias. 

COLUNISTAS / Luciane Molina

Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá).  Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban  e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores.  Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.


braillu@uol.com.br

MAIS LIDAS