Por Heron de Freitas Santiago
Uma casa, outra casa, carros, cachorros, uma senhora vagarosa na direção contrária, música cantarolada, outra música, um bocejo distraído, pensamento vago, mais casas, mais carros, mais tudo e uma calçada desnivelada.
O pé de trás atinge o calcanhar da frente.
Pânico labiríntico, náusea, esperança, expectativa.
A bolsa escorre pra longe, os óculos televisionam a relatividade do tempo.
Certeza, e o chão.
Vergonha de viver, timidez pro ar faltante.
A primeira respiração.
As palmas da mão em duas salvas de aplausos com o chão apoiam-se esfoladas.
Primeiro esforço, asco, pedriscos maculando as digitais, novas digitais, outra respiração.
O esforço de sentar, recobrar o ritmo corriqueiro do tempo, dor, vergonha e o coração adrenado querendo sair.
Está tudo bem!
Levantar, sacudir e contar a pilhagem tomada pelo chão.
Os óculos racharam, o corpo esfolou-se e a vida continuou sem que quase ninguém tomasse conta do ocorrido.
A partir daí. A partir do primeiro passo em direção à retomada do que se fazia antes, três fases:
Dor; dor quando mexe e chaga sem dor.
Na última o machucado é só lembrança, estandarte.
Cutucar, Apreciar.
Um troféu.
Até que um dia passa, descasca, fica esquecido e por fim recordado quando a cicatriz é esbarrada.
A segunda é quando seca.
Dura, duro.
Ressabia cada passo, olhos para baixo, novos óculos.
Os joelhos penam nas escadas, os lápis maltratam os dedos, o próprio corpo se ri e se irrita contando o causo.
Lenta, lento.
A primeira fase é que impressiona.
Molda, mole.
Escorre o sangue, a austeridade, a idade.
Quase seco, até que a água pintada escorra na porcelana.
Déjà vu, raiva, autopiedade, lembranças, projeções.
Enfim, pulso.
Vida.
É tudo da alma pro corpo e do corpo pra alma.
Decepções são os machucados. Conforme a novidade e a intensidade destes doem mais ou menos.
Sempre. Depois por um tempo e por fim só quando se lembra. Quando superado se ostenta, e ao passo que é esquecido, vez ou outra emerge quando a lembrança é solicitada.
Chega um momento em que qualquer cicatriz se funde nas rugas e só o peso da pele e das lições faz diferença.
Nossas pernas são fortes demais, se caíssemos mais na rua, teríamos mais fé na cura e mais paciência pra ela.
O processo para o corpo é idêntico para a alma, o corpo é apenas mais didático.
Prova disso é que hoje me lembrei de algumas histórias a muito não contadas, histórias que tive medo de esquecer, mas como não esquecê-las se não as conto mais?
Histórias são os tombos, cicatrizes as lições, se aprendidas partimos para os novos, os antigos já cumpriram seu papel.
Sobre o autor:
Heron de Freitas Santiago, lorenense, 26 anos, é membro fundador da AJLL. Com uma criação diversa e repleta de boa vontade, cresceu sendo estimulado à pluralidade e à integração de conceitos. Tendo as artes plásticas como expressão artística primária, procura compor seus textos de forma libertária, sem amarras de qualquer espécie, para traduzir com propriedade o que transborda de si.
Esse texto é de exclusiva responsabilidade do autor. A AJLL não se responsabiliza pelas possíveis opiniões aqui apresentadas. Respeitamos a criação literária de cada autor, difundindo linguagem literária de linguagem gramatical, em textos que julga ser necessário.