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Algumas dicas para o atendimento ao público com deficiência visual

08/01/2015

Terminado o período de compras e festas de final de ano, o que ficam não são apenas as dívidas, nem promoções para zerar o estoque dos lojistas. É hora de contabilizar lucros e torcer pra não ter havido prejuízos. E nesse balanço para o novo ciclo que se inicia ao nascer de mais um novo ano, os maiores prejuízos ainda são o da falta de acessibilidade no atendimento ao público com alguma deficiência. 
É sabido que quanto mais a inclusão é debatida e transformada em política pública no nosso país, a pessoa com deficiência ganha em qualidade de vida, ou pelo menos deveria ganhar. Ao ter acesso à educação, também conquista uma profissão e passa a competir por uma vaga no mercado de trabalho. 
Economicamente ativa, uma pessoa com deficiência contribui para a expansão da economia do seu país. Começa a ser, então, consumidora de produtos e serviços. Nessa lógica capitalista, talvez o que importe mesmo é atrair o consumidor para girar a engrenagem que sustenta o capital de sua empresa. Ou porque não há interesse mesmo, ou porque as pessoas não pararam para pensar, mas existe uma infinidade de produtos no mercado que são uma verdadeira pedra no sapato das pessoas com deficiência por não levarem em conta os princípios do desenho universal. E assim como os produtos, há também uma infinidade de serviços que sequer chegam a esse público. E quando chegam, o despreparo no atendimento é capaz de manchar a marca de uma empresa pra sempre.
À exceção das caixinhas de medicamentos, que já trazem alguma informação relevante em Braille no rótulo, há poucos produtos que acompanham essa tendência. Num supermercado, por exemplo, talvez seja possível encontrar meia dúzia de rótulos em Braille em meio a milhares de produtos. Percebemos, com essa ausência, que a comunicação acessível é terrivelmente esmagada pela publicidade impressa. A ideia de que um cego reconheça os produtos pelo formato da embalagem, pelo aroma ou pela textura dela não reproduz a realidade de fato. 
Percebam que muitas embalagens são semelhantes e posso citar as caixinhas de gelatina e maria mole, os frascos de xampu e condicionador, as latinhas de cerveja e refrigerante, o saquinho com leite e outro com iogurte, por exemplo. A sinalização tátil, como as placas em Braille, os mapas táteis contendo a localização espacial do que existe no ambiente e o piso podo tátil quase não existem fora das agências bancárias, embora as rampas de acesso sejam o exemplo mais intenso de que só elas bastariam para que o local seja acessível. 
Entretanto, o desafio não está em encontrar produtos que sejam plenamente acessíveis, até porque a pessoa com deficiência não deseja que o mundo seja reproduzido exclusivamente para ela. O desafio, então, é contar com um atendimento que possa, ao mesmo tempo que devolver-lhe a cidadania, também considerá-la consumidora de fato. 
Vejamos algumas dicas:
Geralmente, a pessoa com deficiência visual chega até uma determinada loja à procura de um produto específico, já que ela não vai ser atraída para lá pela placa fluorescente  que promete a promoção mais tentadora do milênio, a menos que ela esteja acompanhada por alguém que enxerga e que seja tão consumista quanto ela. Muitas lojas (é comum nas de sapatos, bijuterias, celulares, roupas, papelarias, etc.) guardam seus produtos em vitrines ou balcões fechados. E nessa situação, o cego ficou cego duas vezes, porque não pode tatear os produtos para escolher aquele que melhor lhe agrade.
Sendo assim, não é o atendente quem tem que decidir o que deve ou não mostrar. Num primeiro momento, descrever as características das peças seria a decisão mais acertada, assim como fornecer detalhes de valores e de possíveis promoções ou descontos é uma maneira para investigar o que o cliente está procurando, para depois mostrar as peças e deixar que a pessoa cega tateie-as. Em restaurantes, o ideal seria ter disponível um cardápio em Braille e também outro com caracteres ampliados.    
Dicas para o comércio e para o dia a dia:
– Apresente-se para a pessoa com deficiência visual. Diga seu nome e o que faz ali, se cuida de um setor específico. Ela precisa conhecer sua voz, evitando que o confunda com outros vendedores do local.
– Descreva os produtos da loja ou daquele setor, cuidando para encaminhar o cliente para a sessão que procura, caso não seja a sua.
– Se for guiar a pessoa cega, deixe-a segurar em seu cotovelo, ombro ou punho. Não a empurre nem a puxe. Mantenha-se sempre meio passo à frente dela.
– Em passagens estreitas, flexione seu braço para trás. Assim, a pessoa cega alinhará o corpo atrás de você.
– Avise-a sobre escadas rolante e obstáculos nos corredores do estabelecimento. Também informe-a sobre prateleiras com produtos mais frágeis, que possam quebrar ao cair no chão.
– Posicione-a sempre de frente para a vitrine ou para a arara, informando verbalmente onde está e quais são os produtos dali. Leve a mão dela até algum produto ou informe que irá colocar alguma peça nas mãos dela.
– Para sentar-se, coloque a mão da pessoa cega no encosto da cadeira. Caso não houver, informe-a sobre essa condição e coloque as mãos dela no acento, para que perceba a direção e decida como deseja fazer.
– Sem preguiça, mostre os produtos, retirando-os da vitrine, das prateleiras ou das araras, deixando que a pessoa cega explore-os pelo tato. Descreva e aponte alguns detalhes, como cor, desenho ou alguma característica relevante. Deixe seu cliente à vontade!
– Ofereça outros produtos, descrevendo-os ou deixando que a pessoa cega os sinta, pois ela não terá a visão de tudo que possui no estabelecimento.
– Investigue sempre. Não ofereça espelho, você será os olhos da pessoa cega, emitindo opinião sem induzi-la à compra.
– Diga quais são as promoções e formas de pagamento.
– Pode ser que a pessoa cega precise de ajuda para identificar uma nota ou um cartão. Ao devolver-lhe troco, informe quais as notas e como estão dispostas.
– Sempre entregue objetos, papel ou qualquer outra coisa nas mãos da pessoa cega, evitando que a mão dela fique estendida no ar. 
– Caso a pessoa cega precise assinar, pergunte a ela se assina e como faz. Algumas pessoas com deficiência visual carregam seu próprio assinador, um cartão com orifício vazado em que cabe uma assinatura. Caso não possua, coloque uma régua sobre a linha e oriente a respeito do início e o final do espaço destinado à assinatura. A régua pode ser substituída por algum outro cartão, pedaço de papel mais grosso, etc.
– Durante o atendimento à pessoa com deficiência visual, informe-a quando afastar-se dela para que não fique falando sozinha. É comum que ela faça perguntas. Também comunique sobre sua chegada.
– Se o atendimento exigir uma senha, informe para a pessoa com deficiência visual qual é a senha dela. A cada nova chamada, verbalize o número que receberá o atendimento, para que ela não perca a vez.
O cliente, seja ele pessoa com deficiência ou não, precisa estar satisfeito mais com o atendimento que ele recebe do que com o produto que ele pretenda adquirir. Sempre que houver dúvida, o atendente deve perguntar qual a melhor maneira de ajudar. 
Não insista demasiadamente para não ganhar o rótulo de “chiclete”. Seja cuidadoso, investigue e execute bem seu papel de vendedor. Afinal, a pessoa com deficiência não precisa “portar” uma carteirinha dizendo que possui essa ou aquela deficiência ou que necessita de atendimento específico. O bom senso faz parte da qualidade de qualquer serviço oferecido ao público em geral. A acessibilidade é a condição ímpar que deve reinar de verdade nos 365 dias, representando o maior lucro entre consumidor e lojista.

COLUNISTAS / Luciane Molina

Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá).  Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban  e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores.  Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.


braillu@uol.com.br

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