A tecnologia deve ser muito mais que uma forma de consumo e hoje pode ser pensada como ferramenta de inclusão para pessoas com deficiência visual.
Há pouco mais de dez anos, vi surgirem dispositivos móveis, ainda simples, mas que prometiam integrar diversas tarefas em um único aparelho. Os displays coloridos, com interface gráfica, eram sensação na época e despertavam o desejo de consumo dos brasileiros. E acreditem, vinham equipados com mais de uma dezena de teclas para as diversas funções.
Com tantos recursos, receber e efetuar uma ligação ficou complexo demais para uma pessoa cega. Decorar uma sequência de teclas apertadas nem sempre resultava em êxito. foi ainda em 2004 que ganhei o meu primeiro smartphone, depois de muito pesquisar sobre um aparelho que pudesse ser minimamente acessível. O modelo 6600 da Nokia era um dos poucos aparelhos que rodavam plataforma Symbian e que era compatível com o leitor de tela TALKS.
O fato é que para se ter o mínimo de acessibilidade era preciso comprar um software importado, que pouco mais tarde passou a ser comercializado no Brasil. O software TALKS foi desenvolvido por uma empresa norte-americana, e roda somente em aparelhos com o sistema operacional Symbian. A instalação era complexa e feita através da conectividade por infra-vermelho. qualquer movimento que tirasse o aparelho da linha de conectividade, a instalação seria interrompida. Com a evolução dos dispositivos, a instalação era feita também via bluetooth ou cabo USB ligado a um computador. Quando o aparelho começava a falar era uma felicidade. Foi dessa maneira que, pela primeira vez consegui ler um sms, consultar um contato na agenda, identificar uma ligação e até mesmo verificar as horas. E conforme os smartphones foram evoluindo, o software ganhava algumas atualizações que deixavam as funcionalidades muito mais acessíveis.
Com comandos realizados ao pressionar uma tecla ou o conjunto delas, a leitura das informações contidas na tela eram lidas por uma voz mecânica, como por exemplo o status da rede e da bateria. Recentemente era possível gerenciar e-mails, acessar redes sociais e navegar em algumas páginas na internet. Mas infelizmente a plataforma Symbian foi descontinuada e o software TALKS seguiu o mesmo caminho. Lembro-me com entusiasmo quando meus alunos ou amigos ouviam seus celulares despertando do silêncio para o som e dalí, um mundo de possibilidades surgia. Há quem ainda utilize esses celulares e uma grande vantagem sempre será a presença de teclas, se comparados às telas sensíveis ao toque, presentes na quase totalidade dos dispositivos móveis de hoje em dia.
E por falar nelas, as telas touch vieram para revolucionar a forma pela qual o usuário interage com os seus gadjet. Sem qualquer referência tátil, as superfícies lisas guardaram surpresas no que diz respeito a acessibilidade para pessoas cegas ou com baixa visão. Pioneira nesse mercado, a Apple trouxe incorporado em seu sistema um leitor de tela próprio, denominado VoiceOver. Todo usuário que fizesse aquisição de um iphone, por exemplo, saia da loja com ele falando. Parecia pouco provável, mas esse novo modo de interagir conquistou também as pessoas com deficiência visual.
Quando me deparei com esse recurso, pela primeira vez, vi um tablete absolutamente ‘mudo’ começar a falar e ler exaustivamente todas as informações presentes na tela. Bastou para isso pedir para alguém acessar ajuste, geral, acessibilidade e ativar o VoiceOver. É incrivelmente maravilhoso sentir as palavras e receber as informações debaixo dos dedos. Nesse momento cheguei a comparar o recurso com a sensação de ler Braille, de modo que tanto na tela touch como em Braille o mundo e as histórias vão sendo construídas pela ponta dos dedos, em gestos sincronizados numa dança constante.
Abandonei os teclados e passei a enxergar o mundo de possibilidades que uma tela plana me ofereceu. Em alguns poucos segundos é possível consultar previsão do tempo, navegar pelas redes sociais, registrar um momento ou fazer uma pesquisa no google. Tudo isso usando gestos com um, dois, três ou quatro dedos.
Tocar em um item, em algum lugar da tela vai ouvir o nome da aplicação. Para ativá-la basta dar dois toques nesse mesmo local. Para movimentar o foco de seleção, risque a tela da esquerda para a direita com um único dedo ou o contrário também vale, da direita para a esquerda, fazendo o sentido inverso. Para rolar a tela, passse três dedos no sentido que deseje. Ele também tem um rotor que você ativa girando os dedos como em uma discagem, e que ativa opções, como por exemplo a soletragem de palavras ou a alteração de idioma e velocidade da fala.
Com um duplo toque com três dedos você liga ou desliga a fala. Com um triplo toque com três dedos você desativa a tela e a câmera. Com dois toques com dois dedos você atende uma ligação ou desliga a mesma, além de iniciar e pausar uma reprodução de música.
É só apontar a câmera que ela reconhece quantos rostos estão enquadrados e a posição deles. Existem aplicativos que identificam rótulos, notas e até cores. Outros recursos servem para simular um teclado Braille e também desenhar as letras manuscritas. Com a assistente Siri, o usuário executa comandos conversando com o aparelho. ele pode solicitar a ativação do despertador, encontrar uma rota, ou pedir a localização atual.
Além da Apple, a plataforma Androide também tem investido em acessibilidade através do recurso TalkBack, que vem pré instalado em sistemas nas versões superiores a 4.1. E assim as pessoas com deficiência visual ganham maior autonomia e visibilidade, comprovando que a tecnologia vem somar para multiplicar possibilidades quando o assunto é inclusão.