“A mestra, a melhor de todas. Corre por toda a cidade sua fama de exigência e, acima de tudo, do seu capricho e competência. Quem conhece, não esquece nunca mais… E quando recebe os elogios ‘porque a dança foi maravilhosa’, agradece cada bronca do fundo do coração. E se orgulha por ser atleta. Atleta da Márcia Cilene. Tenho uma teoria de que toda menina, pra virar mulher de verdade, merece uma temporada na Ginástica Rítmica de Lorena”
Profa Márcia Cilene de Paula Gonzaga
“Assim fica sujo! Pensa no movimento! Atenção pro tempo da música”. Calma, respira fundo. Vamos de novo. Um banho desejado, e o despertador programado, que amanhã o treino é mais cedo e “se faltar, atrapalha”. Bendita véspera de Festcom.
Quase esqueço que há 20 corações esperando para serem costurados nas calçolas coloridas, e um pacotinho de lantejoulas com as quais devo enfeitar meu próprio collant. E eu nem sei costurar. Só Deus sabe no que vai dar isso. Corre pra lá, corre pra cá. Muito gel pra nenhum fio de cabelo sair do lugar, e grampos pro coque não cair no meio da dança. 17h no CCL.
Cedo pra quem vai se apresentar às 20h, tarde pra maquiar as sabe-lá-quantas menininhas do primeiro horário, que pareciam se multiplicar que nem coelho. Talvez fosse impressão do nervosismo. Sombra colorida, gel e glitter; com cuidado pra não engolir. Mesmo assim, o lanchinho pós-apresentação acabava ficando brilhoso.
Pequenas dançando, e as “maiores” aquecendo; já nos exuberantes macacões colados e saias esvoaçantes. Repassando oralmente os movimentos e posições. Arco, bola, fita, capa, peruca e máscara nos devidos lugares. A tão esperada apresentação, os aplausos do público. E ai de quem não fizer “carão”. Os agradecimentos e elogios da treinadora. “Mas da próxima vez, se errar, disfarça!”.
De volta à quadra na segunda-feira. O sucesso do espetáculo faz valer o esforço diário, dá até mais vontade de treinar. Dez voltas correndo pra aquecer, e duas filas pra começar o exercício. Estrela, espacar, pé na cabeça, mata-borrão (e a barriga que não rola do jeito certo). Soca o joelho do nariz no rolamento (ai), e o joelho na orelha pra relaxar no fim da aula. Muito equilíbrio na parada de cotovelo, força pro salto aberto e disposição pros abdominais.
Reuniãozinha aos pés da mestra, a melhor de todas. Corre por toda a cidade sua fama de exigência e, acima de tudo, do seu capricho e competência. Quem conhece, não esquece nunca mais. “POSTURA, CLARA, ESQUECE DO CABELO, VOCÊ ESTÁ SEGURANDO SUA AMIGA! FAÇA COM CAPRICHO! E PONTA DE PÉÉÉ”. Aí você resmunga por dentro, obedece, e quando recebe os elogios “porque a dança foi maravilhosa”, agradece cada bronca do fundo do coração. E se orgulha por ser atleta. Atleta da Márcia Cilene.
Tenho uma teoria de que toda menina, pra virar mulher de verdade, merece uma temporada na Ginástica Rítmica de Lorena. Pra virar mulherão mesmo. Dessas que costura, cozinha (pra levar o lanchinho no treino da manhã), maquia a si mesma e às colegas e arruma o cabelo em dois minutos; ou abandona o penteado pra salvar a amiga que treme no topo de uma exuberante subida de abertura. Que anda com postura, tal qual estrela de Hollywood quando passa pelo tapete vermelho, e que sabe manter a pose e o passo em uma sapatinha meia-ponta (quem disse que diva tem que viver de salto?). Mulherão de boas maneiras, que respeita a sabedoria da experiência, ouve e obedece, ciente de que muitas fitas, arcos, bolas e medalhas já passaram por aquela mãos. Tenho orgulho de dizer que minha cidade conta com uma preciosa escola de graça e feminilidade; e que, mesmo afastada da quadra e do tatame que me viram florescer como ginasta, sou cria da melhor treinadora que existe.
Tudo isso pra expressar o quanto sinto falta das minhas segundas e quartas-feiras; de 2006 à 2010. Das festas-juninas do Clube dentro do tatame, com o coração na mão, esperando a hora de apresentar. Do medo de cair o chapéu. Do maravilhoso e sexy Cancan (“Faz cara de mulher da vida! – ergue os olhos, se imagina num cabaré, boca meio aberta” – “Ê Clara, hein?! Tem cara de santinha, mas conhece todos os trejeitos” – eu rio disso até hoje!). Das 92183928493 criaturas de branco nos Jogos Regionais de 2006; e da capa brilhosa do meu último Festcom (na foto). De vez em quando, me pego do avesso, matando um pouquinho da saudade. Saudade da GR…
Nota da autora: o texto foi escrito em 2012, mas meu coração (e minhas pernas) continuam a sentir saudades da ginástica. Um beijo, Márcia!
Maria Clara Vieira