Decidi republicar esse texto, de minha autoria, originalmente postado em 5 de setembro de 2014 no blog Guia Inclusivo, porque ele continua muito atual no cenário valeparaibano.
Durante uma ida minha ao banco, na semana passada, vivi mais uma situação de desrespeito por parte do gerente da agência. E se não bastasse, recebi uma resposta da ouvidoria, após abertura de protocolo, que nada poderiam fazer, já que são o canal final de reclamação, e que eu deveria antes abrir a reclamação no próprio banco. Talvez eles desejem que eu reclame do gerente para ele próprio, para eu continuar ouvindo dele que a fila preferencial em sua agência prevê o atendimento para pessoas que estejam nas mesmas condições da imagem ilustrativa que representa o símbolo internacional de acessibilidade. Isto é, só atenderiam pessoas em cadeiras de rodas.
Por isso, vim esclarecer essa questão, para que não haja mais dúvidas no que se refere ao atendimento preferencial, seja em agências bancárias ou em qualquer outro estabelecimento que atenda ao público em geral. Ignorância ou não, o fato é que essas pessoas desinformadas ainda tentam discutir sobre algo que não querem enxergar, pois julgam que seus cargos lhes permitem fazer o que acham mais cômodo.
A figura que mostra o desenho em contorno de uma pessoa em cadeira de rodas é conhecida como símbolo internacional de acesso, utilizada para indicar que serviços, espaços, edificações, mobiliários e equipamentos urbanos são acessíveis a pessoas com deficiência (deficientes auditivos, visuais e cadeirantes, por exemplo) ou com mobilidade reduzida (gestantes, idosos e obesos, por exemplo). Essa sinalização também é encontrada para informar sobre o atendimento prioritário, assentos e filas preferenciais, mas não é porque ela mostra uma “cadeira de rodas” que se destina exclusivamente às pessoas com deficiência física. Também vale lembrar que o atendimento preferencial é previsto na Lei Nº 10.048/00.
Saiba mais no texto abaixo:
O atendimento Prioritário e as Filas Preferenciais
Prioridade de atendimento e filas preferenciais para pessoas com deficiência são quase sempre motivo de bate-boca quando se trata de deficiências que não são tão aparentes assim.
Uma das causas das provocações intermináveis dos clientes que, vira e mexe, apontam seus dedos para algum cego na fila preferencial, despejando sobre eles insinuações levianas e olhares de julgamento, é a sinalização. Em 90% das ocorrências, a placa que sinaliza a fila especial traz uma figura de um idoso, um cadeirante e uma grávida, além de, na maioria dos casos, a palavra “deficiente” vir acompanhada do “físico”, gerando a falsa ideia de que a única pessoa com deficiência que pode utilizar aquela fila é o cadeirante. Pisos táteis são ignorados, sendo comum encontrar algum desavisado estacionado sobre eles e impedindo a passagem dos cegos com suas bengalas.
O imaginário coletivo ainda nutre certo distanciamento da pessoa com deficiência quando acredita que elas continuam trancadas dentro de suas casas, numa redoma perfeita e segura, que não frequentam banco, lojas, supermercados, repartições públicas, eventos culturais, entre outros. Causa certo estranhamento se depararem com cegos, surdos, cadeirantes dividindo o mesmo espaço que todos e equiparando-se em direitos e deveres.
É bom esclarecer que o atendimento prioritário é previsto pela Lei Federal nº 10.048/00, que determina que as pessoas portadoras de deficiência, os idosos com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos, as gestantes, as lactantes e as pessoas acompanhadas por crianças de colo terão atendimento prioritário em repartições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos, através de serviços individualizados que assegurem tratamento diferenciado e atendimento imediato. Essa lei também assegura a prioridade de atendimento em todas as instituições financeiras.
Pessoas com deficiência, segundo o DECRETO Nº 5.296 DE 2 DE DEZEMBRO DE 2004, são aquelas que possuem limitação e incapacidade para o desempenho de atividades, incluindo a deficiência física, deficiência auditiva, deficiência visual, deficiência mental, deficiência múltipla e, ainda, os casos que se enquadram na dificuldade de locomoção com prejuízo para movimentar-se, permanente ou temporária.
Além disso, para as instituições financeiras, o Banco Central do Brasil estabelece que as dependências físicas devem prever alternativas que garantam o atendimento prioritário, lugar privilegiado em filas, distribuição de senhas preferenciais, guichê de caixa para o atendimento exclusivo ou outro serviço personalizado que cumpra essa função. Exige que haja facilidade de acesso e circulação para pessoas com deficiência, idosos ou com mobilidade reduzida, além de comunicação adequada para deficientes auditivos e visuais.
Certa desorganização é facilmente observada quando se trata de filas preferenciais. Ora porque existe a contestação de uma deficiência por alguém que deseja receber esse privilégio exclusivamente, ora porque esse atendimento já tem dado pistas de que não está sendo suficiente para atender uma demanda crescente. Algo que foi criado para equiparar direitos tem se tornado “problema” para os consumidores que recebem, equivocadamente, o rótulo de especiais. As únicas vantagens das filas “especiais” são o atendimento rápido, evitando transtornos para quem possui restrições de ordem física e para promoverem acessibilidade para aqueles que possuem deficiências sensoriais. Entretanto, para conseguir esse privilégio, tem sido cada vez mais desgastante, porque entre ter sua deficiência contestada aos olhos de uma dezena de pessoas numa fila especial e não ser importunado numa fila qualquer, muitas pessoas preferem a segunda opção.
Já vi também pessoas com deficiência rejeitarem esse direito, com a justificativa de que, não estando em desvantagem ou em condição inferior, podem esperar sua vez em uma fila qualquer. Acontece que negando esse direito, estão também negando sua própria condição, numa tentativa inconsciente de reforçar a ideia de que devemos sentir pena do cadeirante, do idoso, da gestante. Não existe uma deficiência pior nem melhor, o que existe é a deficiência invisível, que é incapaz de causar pena a quem não vê, sobretudo, se você estiver numa fila comum.
Eu prefiro uma boa aula de cidadania, reforçando meus direitos. Informar sobre o atendimento prioritário também é nosso dever, mesmo que meia dúzia de pessoas ao seu lado queiram cavar um buraco para depositar suas “caras” envergonhadas, mesmo que seja preciso contornar as vozes alteradas e os conflitos diante de quem se vê tão normal quanto você. Afinal, é preciso mostrar que somos consumidores, apesar da deficiência aparente ou não.