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Pessoas com deficiência visual e a assinatura de documentos

24/08/2015

A assinatura é definida como uma marca gráfica individual escrita com a intenção de conferir valor e autenticidade de um documento ou manifestar concordância. Através do desenho, é possível identificar o destinatário ou autor de um documento e verificar a integridade dos dados. Porém, a questão da assinatura feita por pessoas com deficiência visual é um assunto pouco explorado e que causa inúmeras dúvidas quanto às marcas gráficas que conferem essa autenticidade.
É importante esclarecer que o código Braille não oficializa uma assinatura, por ser um sistema linear, de pontos que são produzidos a partir de um modelo único para as letras. Essa semelhança faz com que a identificação pessoal se torne nula, pois não existe a possibilidade de formular uma marca gráfica individual. Então restam duas alternativas viáveis: a assinatura em tinta feita com auxílio de um cartão com orifício vazado, para determinar o espaço a ser utilizado; ou a impressão digital por meio do carimbo do dedo. Sem entrar em questões jurídicas, pretendo abordar aqui o primeiro caso: da assinatura manuscrita feita por pessoas com deficiência visual.
Pessoas que perderam a visão após serem alfabetizadas geralmente já possuem uma assinatura, por dominarem o sistema de escrita manuscrita. As marcas gráficas criadas anteriormente à diminuição visual ou à cegueira dificilmente perdem as características principais, mas pode haver variação no tamanho das letras, espaçamento entre palavras ou traçados. Algumas vezes é preciso treinar, com auxílio de alguém que enxerga, para que essas variações sejam controladas. Quando não existe o contato visual, o traçado depende de movimento de mãos preciso, reproduzindo linhas circulares, ondulares e unidas, apoiado em uma base, que pode ser um cartão ou uma régua delimitadora de linha.
Outro caso observado é o de crianças e jovens cuja cegueira ou baixa visão impediram-nos do aprendizado da grafia manuscrita. Nesses casos, a elaboração de uma marca individual para representar a assinatura depende da exploração e aprendizagem de habilidades específicas conseguidas em idade escolar. A assinatura é um dos meios facilitadores para romper a barreira do preconceito, sendo de extrema urgência incentivar o aprendizado da escrita cursiva ainda nos anos iniciais do ensino fundamental. O professor deve observar se o aluno com deficiência visual é capaz de dissociar movimentos de pulsos, cotovelos e ombros; se a coordenação motora fina e o esquema corporal estão bem desenvolvidos; se domina conceitos de orientação espacial e também de  linhas retas, quadradas, inclinadas, sinuosas; se possui boa memória tátil e sinestésica.
Entretanto, reproduzir uma assinatura sem poder olhar para o papel e conservar exatamente os mesmos traçados é tarefa que exige esforço, dedicação e sorte. A simples troca de caneta, altura da mesa, tamanho da régua, cartão ou base para a linha, tamanho do espaço a ser utilizado, posição em que está sentado e fatores ambientais exercem influência no desenho gráfico escrito no papel. Muitas vezes, é constrangedor ter um cheque devolvido com a justificativa que as letras estavam maiores, ou um documento indeferido devido à distância menor entre os nomes, pois o espaço disponível também era pequeno. Há outros itens de segurança a serem levados em conta numa análise de assinatura, isso porque o desenho e as características principais não perdem a essência.
 
Cansei de ter cheques devolvidos e deixei de utilizar esse meio de pagamento porque o banco conferia a assinatura sem verificar meu cadastro como correntista cega. A assinatura comparada não apresentava diferenças significativas e as observações eram quase sempre referentes ao espaçamento entre os nomes. Nessa semana, tive minha assinatura contestada  novamente. Dessa vez em um documento requerendo isenção de ICMS para aquisição de veículo para a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. A requisição foi acompanhada de laudo médico, documentos de identificação e assinatura com reconhecimento de firma em cartório e não resolveu. Tive que submeter outro documento com assinatura reconhecida por autenticidade. A grande surpresa é que não havia diferença significativa entre a assinatura do documento oficial (RG) e a assinatura da requisição. 
 
Diante dessa dificuldade em conceber uma análise que, de fato, leve em conta a autenticidade de uma assinatura, é cabível que a identificação da pessoa, enquanto pessoa com deficiência, seja praticada junto aos documentos oficiais de identificação, como na carteira nacional de identidade, por exemplo. A inclusão do símbolo internacional da deficiência em questão, seja cegueira, surdez, deficiência física na cédula de identidade, assim como existe a identificação das pessoas idosas, seria o caminho para que não mais haja questionamento sobre as necessidades específicas determinadas pela deficiência. Tal marca também funcionaria como um elemento facilitador na identificação dessas pessoas quando necessitarem de atendimento preferencial ou para uma análise mais coerente com relação às situações formais de julgamento. A identificação não suprime a assinatura, mas a torna legítima na garantia de direitos.

COLUNISTAS / Luciane Molina

Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá).  Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban  e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores.  Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.


braillu@uol.com.br

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