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Um novo desafio: o aprendizado da Libras Tátil

29/09/2015

Sou adepta a experiências novas, desafios que sempre nos encorajam a compreender que somos os responsáveis pelas conquistas que almejamos. Minha dedicação com educação inclusiva vai muito além do que aprendi nos bancos acadêmicos. É a ciência que se fez presente nas experiências diárias, na prática de uma técnica ou no convívio com a diversidade, que mostra que para cada necessidade existe uma maneira de superação.
 
Movimentos, gestos  e expressões que comunicam algo, mas dependem do ‘olhar’ para serem interpretados, em princípio, deixariam de fora pessoas cegas que se utilizam essencialmente de estímulos sensoriais para acessarem uma informação. O estereótipo da deficiência coloca em patamares distintos pessoas surdas e pessoas cegas, como se o princípio que sustenta o pilar da inclusão desse conta, apenas, de incluir um grupo específico numa cultura ouvinte ou num ambiente repleto de estímulos táteis, apenas para atender as necessidades advindas de uma deficiência auditiva ou de uma deficiência visual. Em outras palavras, é comum a ideia de que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) seria para surdos, assim como Braille serviria apenas para cegos.
Estar frente a frente com uma pessoa surda me fez perceber a lacuna que existe na comunicação entre quem não vê e quem não ouve. Cegos ouvintes têm dificuldade para compreender Libras, porque esta última é visual. A dificuldade também está porque os surdos não foram acostumados a lidar com a realidade de Libras tátil, ou seja, de executar os sinais em contato direto com as mãos do interlocutor cego.
 
Duas situações me marcaram e me desafiaram a mexer as “mãos” para que essa barreira comunicacional fosse superada. Uma é porque tenho uma vizinha surda, que desde criança tentava se comunicar comigo, sem muito sucesso. Outra veio a partir da proposta de um surdo durante a Conferência Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, realizada em Caraguatatuba, que trouxe a ideia de que surdos e cegos precisam compartilhar a mesma proposta de inclusão e, para que isso fosse efetivado, era preciso viabilizar a comunicação entre cegos ouvintes e surdos. Ele não questionou, porém, a presença do intérprete, necessária e indispensável para que a cultura surda se estabeleça e se fortaleça.
 
O grande incentivo, porém, veio de uma colega de trabalho, que também ensina Língua Brasileira de Sinais. Rendo a ela minha homenagem e meu agradecimento.  Foi ela quem me inscreveu num curso de Libras ofertado pelo Instituto Federal (IF) e que também se matriculou para viabilizar esse meu aprendizado. A única certeza era a de que, a partir dali, tudo seria possível, do nosso jeito, com nossas adaptações.
 
O primeiro passo foi encontrar uma posição confortável para ambas. Também buscamos adequar o meu toque nas mãos dela, com leveza para que o movimento não se perca. Até arriscamos alguns códigos particulares. Primeiro ela oraliza o sinal, executa a configuração de mãos, mostra em qual parte do corpo ele deve ser feito e coloca o movimento, se tiver. Ora eu seguro em seus punhos, ora eu seguro em suas mãos, acompanhando o trajeto e verificando as posições de dedos. Em seguida tento reproduzir o mesmo sinal. Se preciso ela faz as correções, alterando a configuração e o movimento enquanto estou executando. É ela também quem registra, em tinta, as respostas nas atividades avaliativas. É assim que uma cega ouvinte consegue aprender Libras.
 
O inusitado se tornou um novo aprendizado. Os colegas de turma também querem sinalizar em minhas mãos  para que eu traduza e oralize os sinais. Eles também, com frequência, tentam fechar os olhos e solicitam para que eu execute os sinais em suas mãos. Uma colega de classe relatou que a identificação tátil, para ela, é muito mais agradável do que a visual. E durante as aulas, minha “companheira” de mãos faz com que todo esse conhecimento seja possível. Minhas mãos, que são os meus olhos, enxergam aquilo que jamais eu imaginei ver: palavras que ganham vida e sentido real. Minhas mãos, que já enxergavam o mundo através do relevo do Braille, agora enxergam os sinais e também serão capazes de levar informação a outros, em especial, às pessoas com surdez. Esse é o retrato mais fiel da inclusão que queremos e que, por isso, lutamos para praticar em nosso dia a dia.

COLUNISTAS / Luciane Molina

Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá).  Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban  e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores.  Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.


braillu@uol.com.br

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