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Crianças cegas e os materiais escolares: uma lista criativa e diferente

26/01/2016

A volta às aulas anuncia o momento de planejar o recomeço da rotina escolar, que exige uma série de compromissos e dedicação com o estudo. Dentre as tarefas que antecedem esse retorno, a visita à papelaria não pode ficar de fora. Mas quando falamos das crianças com deficiência visual, a tarefa começa muito antes da compra desses novos materiais.

O desafio para a família é conseguir encontrar produtos que substituam os convencionais. Na maioria das vezes, as escolas não preveem adequações de materiais em suas listas e acabam anotando itens que aquela criança com deficiência visual não vai utilizar em seu dia a dia.

Além de não estarem disponíveis à venda em qualquer papelaria, os materiais escolares adaptados são mais caros e podem ser encontrados apenas em lojas especializadas. A prescrição desses materiais também deve ser apoiada pelo professor que atua na educação especial, avaliando as condições de uso pelo aluno cego.

Reglete com punção e folhas mais grossas substituem o caderno, o lápis e a caneta. Por meio desse equipamento, a criança cega aprende escrever no sistema Braille. O alfabeto em relevo é a porta de entrada para os aprendizados posteriores e o desenvolvimento de habilidades de leitura com a ponta dos dedos. O estudante que escreve em Braille não necessita de borracha. Ele apaga os pontos utilizando as unhas ou a própria base do punção. A gramatura do papel garante uma escrita mais legível, leitura confortável e durabilidade do texto produzido.

Apesar de fazerem seus registros, anotações e leituras em Braille, os estudantes que não enxergam devem aprender o alfabeto convencional através do desenho do formato das letras em relevo. Por isso, é recomendável que um alfabeto móvel bastão e cursivo faça parte dessa lista. O assinador é outro objeto indispensável. Com uma cavidade na largura de uma linha, ele auxilia no aprendizado da escrita do nome e da assinatura. É importante que crianças cegas sejam encorajadas a conseguirem escrever pequenas anotações em tinta.

Nas réguas, transferidores, esquadros e fitas métricas podem ser feitos pontos ou traços em relevo para identificar ângulos e medidas. Uma prancheta coberta com tela mosquiteiro tem a utilidade de marcar em relevo desenhos menos complexos, figuras geométricas, entre outros.

As rotuladoras Braille servem para etiquetar cadernos e objetos. Além disso, gravadores de áudio e calculadoras sonoras completam a lista de equipamentos úteis para o cotidiano escolar.

O soroban, uma espécie de ábaco, transporta os conceitos abstratos da matemática de modo que as operações sejam realizadas com o movimento de contas em eixos. O instrumento chegou ao Brasil com a imigração japonesa e sofreu algumas adaptações para uso por pessoas cegas, embora seja bastante útil também para todos os demais alunos.

Barbantes e fios mais grossos são geralmente utilizados para contornar desenhos ou delimitar espaços, compondo figuras para colorir. Nesse caso, giz de cera é outro item que não pode faltar na sua lista, associado com lixas de diferentes granulações. As lixas colocadas por baixo do papel dão um efeito texturizado, conforme a pressão do giz. Para cada cor, uma granulação diferente.

Crianças cegas precisam ser inseridas no universo das cores. Esse conceito é ensinado através da experiência sensorial, cuja sensação correspondente a certos sentidos e é associada a um outro sentido. Isso é conhecido como sinestesia. Preto pode estar associado ao aroma do café, enquanto que o verde à textura das folhas, o amarelo ao calor do sol e o vermelho ao sabor do morango.

Para cada pessoa, uma sensação diferente, mas importante para ampliar o repertório de imagens e cores. E para cada elemento, uma textura diferente. Por isso, papeis dos mais variados, plásticos e tecidos servem para compor os cenários didáticos, como reproduzir uma ilustração com partes recortadas em texturas diversas, feito quebra-cabeças ou mosaicos. Brinquedos estilo Lego também são bastante interessantes para reproduzir objetos.

As massinhas de modelar aromatizadas, dominós com relevo, jogos pedagógicos que agreguem elementos táteis aos visuais são excelentes opções para chamar a atenção dos pequenos, envolvendo-os nas atividades em sala de aula. Bolas com guizos, além de inserirem a criança cega nas atividades esportivas, fazem a diversão da criançada enxergante também.

Se for usar envelopes ou pastas para organizar atividades, separar disciplinas ou montar um portfólio, escolha modelos que sejam diferentes por algum detalhe, um recorte, uma textura ou um formato. Até um fecho diferente está valendo!

Vale usar a criatividade para adaptar o que achar interessante, sempre levando em conta a opinião da criança que vai utilizar o acessório. Elas são capazes de dar o “feedback” necessário para que se sintam confortáveis. Ir para a escola precisa ser uma atividade muito prazerosa para todos.

COLUNISTAS / Luciane Molina

Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá).  Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban  e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores.  Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.


braillu@uol.com.br

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