Por José Aurélio Pereira e Grazi Staut
Prestes a entregar o comando do 5º BIL (Batalhão de Infantaria Leve) de Lorena, o coronel Marcelo Martini conversou sobre os dois anos à frente do quartel, que é considerado unidade de referência do Exército Brasileiro.
Em um bate-papo descontraído com os jornalistas José Aurélio Pereira e Graziela Staut, Martini falou das impressões sobre a cidade, das contribuições de sua gestão, dos índices de violência e da relação com os lorenenses. Comentou sobre a importância da participação dos militares na vida de uma cidade por meio de ações concretas. “Somos extratos da sociedade”.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O Lorenense – Antes de assumir o 5º BIL (Batalhão de Infantaria Leve), o senhor estava no Rio de Janeiro. Qual foi a impressão a sua impressão de Lorena?
Coronel Martini – Minha impressão foi a melhor possível. Lorena era a minha primeira opção de comando quando relacionei para onde gostaria de ir, pelo fato de já conhecer a unidade e saber da qualidade de vida daqui. Gosto da forma como as pessoas trabalham e vivem em Lorena.
O Lorenense – O senhor se autointitula valeparaibano. Por quê?
Coronel Martini – Nasci em Mogi Mirim, interior de São Paulo. Fui criado em Mogi Guaçu – saí de lá com 16 anos e fui seguir a carreira militar. Fiquei um ano em Campinas e quatro em Resende, que é Vale do Paraíba. Depois voltei para a academia como Instrutor, em Resende, por duas vezes. Também servi em Caçapava. Então, o Vale do Paraíba eu conheço muito bem. Considero-me um valeparaibano por adoção. Por ter servido duas vezes em Caçapava, sede da brigada, conhecia o 5º BIL e Lorena, mesmo de passagem.
O Lorenense – O que você destacaria como a sua principal dificuldade enfrentada na sua chegada?
Coronel Martini – A pior parte é a ansiedade que gera quando você é nomeado para comandar uma tropa como o 5º BIL: “Será que eu realmente estou preparado para assumir esse comando?” É um desafio pessoal e profissional.
O Lorenense – Lorena é considerada uma cidade conservadora e familiar. Como estas características afetam os militares daqui?
Coronel Martini – Um exemplo é a questão disciplinar e a forma como nossos soldados se portam. São daqui de Lorena e das cidades vizinhas. A gente tem um índice disciplinar elevadíssimo. A quantidade de punição disciplinar é mínima. O valor familiar aqui é alto. E é isso que desejamos para os nossos filhos.
O Lorenense – O senhor se sentiu bem acolhido?
Coronel Martini – Muito. A forma como a minha família foi recebida foi incrível. Fizemos amigos aqui, não somente da área militar, mas de todos os lugares. Saímos felizes com a sensação do dever cumprido, da missão cumprida do comando, mas tristes pelo afastamento – o que é normal – do convívio diário com esses amigos da cidade.
O Lorenense – Há por aqui um infeliz rótulo de município violento. Porém, quem vive em Lorena não comunga da sensação de insegurança que esta fama propicia. Como o senhor enxerga a pesquisa que imputou a Lorena uma classificação tão negativa?
Coronel Martini – Vamos por partes: a minha impressão como cidadão, não como o comandante da tropa do Exército, é de uma cidade evidentemente tranquila. A gente conhece praticamente toda a cidade, até pela profissão, mas nunca tivemos problema nenhum aqui. Eu vejo também isso no seio da família militar: pouquíssimos casos – ou nenhum – de assalto. Houve uma pesquisa no passado que colocou Lorena no ranking de índice de violência. Só que ali eram dados estatísticos brutos, não teve análise qualitativa; era uma tabulação de dados com base em dados brutos.
O Lorenense – Isso sem falar que a localização facilita a fuga de bandidos para várias áreas.
Coronel Martini – Sim, a gente tem que considerar que Lorena é uma cidade situada às margens da Rodovia Presidente Dutra, exatamente entre Rio e São Paulo, que são duas megalópoles. Existe atuação do crime organizado na Dutra. A Rodovia acaba sendo um corredor dos mais diferentes produtos ilícitos. Isso aí vai impactar em Lorena.
O Lorenense – Há ocorrências que nem são daqui e acabam registradas aqui, por consequência da localização.
Coronel Martini – Algumas ocorrências com certeza não são nativas na cidade, mas aconteceram aqui por uma questão de localização geográfica; havia uma perseguição policial ou um elemento que é perturbador da ordem publica, um fora-da-lei que teve que ser preso aqui ou aqui entrou em confronto com os policiais. Lorena é uma cidade que também tem ligação com o sul de Minas. Facilita a logística do crime.
O Lorenense – Segurança pública é assunto antigo e vai ocupar a pauta de discussão social por muitos anos.
Coronel Martini – É claro. A segurança pública é um grande problema que existe no Brasil. E o trabalho a ser realizado é de formiguinha. E as forças de segurança têm que fazer, todo dia, bastante coisa para incrementar a sensação de segurança. Uma análise severamente estatística de dados pode ser usada para direcionar ações policiais.
O Lorenense – Por outro lado, Lorena é considerada uma cidade de tradições familiares bastante consistentes. Como o 5º BIL ajuda na consolidação dos valores daqui?
Coronel Martini – A gente não pode considerar o Exército como uma força extraterrestre. Os militares não vieram de outro planeta – nós somos extratos da sociedade. O Batalhão tem três chapéus: o administrativo, o de comunicação social e o da parte militar. Na parte militar que eu vejo uma contribuição. É conduzido um treinamento tático para (eventual) enfrentamento. Fizemos a condução da instrução de tiros com a Guarda Municipal – isso acaba gerando uma contribuição para a cidade, à medida em que o guarda municipal se sente mais seguro. A Guarda Municipal acaba melhor capacitada e, a gente vê aqui, tem uma postura excelente. Na parte de valores, a gente procurou uma integração com a Secretaria de Educação e com a Secretaria de Meio Ambiente – esse ano, plantamos 109 mudas de árvores, uma para cada ano de existência do Batalhão. A gente tem que traduzir o patriotismo em ações concretas, não podemos nos fechar dentro dos muros do quartel.
O Lorenense – Quando o senhor chegou aqui, o que avaliou sobre a estrutura organizacional do 5º Batalhão?
Coronel Martini – Dentro do Exército, existe uma cultura organizacional: cada comandante procura colocar um tijolo. Ao chegar, você tem um plano de gestão. E você atualiza aquele realizado pelo comandante anterior. No Batalhão, existe um trabalho contínuo, tanto na manutenção das instalações quanto no preparo de emprego para a tropa. O contexto faz com que nos organizemos. No meu caso, nos vimos envolvidos com a Intervenção Federal do Rio de Janeiro – fomos a primeira tropa de São Paulo a chegar lá.
O Lorenense – Era uma situação adversa...
Coronel Martini – A tropa é muito bem preparada, o Batalhão é uma tropa da força de estratégica do Exército. Então, já há um treinamento diferenciado, uma tropa que está no mesmo nível do comando de operações especiais, pronta para rápidos chamamentos.
O Lorenense – Como o senhor avalia a interação com os políticos da cidade?
Coronel Martini – O Exército é uma instituição de Estado, não de Governo – os governos passam, mas o Estado permanece. E parte do Estado são as Forças Armadas. A Prefeitura de Lorena é um governo constituído e o relacionamento tem que ser em nível oficial. Porque nós todos, homens do Estado e das classes políticas, trabalhamos para as pessoas. Este entrosamento entra naqueles três chapéus na vertente da comunicação social.
O Lorenense – Qual é o legado deixado pelo Coronel Martini?
Coronel Martini – Deixo o comando dia 19 de dezembro, com a consciência de dever cumprido. Acredito que posso deixar a experiência operacional da tropa, tanto na intervenção federal do Rio de Janeiro (por três vezes) quanto na greve dos caminhoneiros (quando fomos a primeira unidade a se empregar e a última a ser mobilizada); e este histórico ficará registrado. Na parte administrativa, estamos mantendo em dia. Incrementamos algumas coisas na área de saúde, com a contratação de novos profissionais.
O Lorenense – Que conselho o senhor deixaria para o novo comandante?
Coronel Martini – Que ele tem que ter um equilíbrio daqueles três chapéus. O Batalhão é igualmente exigido de forma intensa nos três chapéus.
O Lorenense – Para finalizar, as crianças enxergam vocês, militares, como verdadeiros heróis. Que conselho dar a uma criança que quer seguir carreira militar?
Coronel Martineli – Eu tinha 8 anos de idade, estudava em Mogi Mirim, no Colégio Imaculada Conceição e a minha professora, a “tia” Maria da Graça, casada com um oficial do Exército, no Dia do Soldado, levou apetrechos militares e alguns equipamentos dele. Olhei aquilo e me despertou a vontade de conhecer mais sobre a carreira militar. Daí eu fui estudando e vendo reportagens. E decidi ser militar, ir atrás dos meus sonhos… Tive foco, porque você vai fazer um concurso público e a gente sabe da concorrência. O principal é desenvolver a vocação e se perguntar se é aquilo mesmo que se quer para si. Porque a dedicação aqui dentro é quase jesuítica. Você abre mão de muitos momentos com a família – por exemplo, já passei o aniversário do meu filho na Intervenção Federal do Rio de Janeiro. Mas quando se quer muito, o conselho é: estudar.
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