Por Danilo Passos
Quando digo que desisto das poesias populares que rabiscam as redes sociais, não digo que desisto do sentimento. Desisto de discutir, compartilhar, curtir ou comentar o sentimento alheio. Há mais verossimilidade poética nos livros da minha prateleira.
Eles gritam por todos os cantos. E escrevem encantos. Nas redes sociais, as inúmeras fotos de felicidade exorbitante aparecem como uma mostra virtual de imagens na Times Square acompanhadas com emoticons (ou emojis) que demonstram o sentimento dos mesmos. As fotos são seletivas, ora com humanos sorrindo demasiadamente, ora com apenas um humano, também sorrindo, mas com uma mensagem de superação. Observo tudo. Aquieto-me a tudo.
Quase que diariamente, quando estou tomando dois goles de café e atualizando meu feed no Facebook, encontro as fotos, as mensagens, os sorrisos, os humanos. Pelas imagens, eles dizem que o amor é um sentimento bom, enaltecedor, rejuvenescedor e depois reclamam que estão sós. Fico receoso. Se “amor” é tudo isso, por que eles estão sós?
Logo, vem outra foto. Esta, de uma menina com o celular nas mãos, sorrindo para o espelho e com uma mensagem de “força e fé para tudo caminhar bem”. Narcisismo barato. Ninguém sorri para os espelhos, mas para si próprio. E é muito contraditório ela indagar força e fé enquanto rasga linhas de felicidade em seu rosto.
Vem outra foto, esta de um menino. Sorrindo — como de praxe — com os cômodos do quarto ao fundo, sem camisa e com a legenda “se gostou, curte”. Abro o perfil do célebre fotógrafo e, abaixo da foto, há uma publicação de sete horas atrás: “ninguém mais sabe o que é amar”. A foto anterior, a legenda e a publicação me amedrontam. Tenho medo de hipocrisias: julgar um sentimento e depois justificá-lo pelo mero prazer alheio.
Volto para o meu feed de notícias. Outra foto. Esta é de uma natureza (ou seria um lugar vazio no meio do mato) com a legenda “nada como a vida livre”. Elogiável, por sinal. Mas eu observei a foto de manhã; quando eu retornar, à noite, o fotógrafo/autor publicará “sozinho com a solidão”, uma espécie de pleonasmo barato para alcançar algumas curtidas e uns comentários de apoio. Percebo que a solidão da manhã não é o mesmo contexto da solidão noturna, porque nem ele sabe o que são contextos. Observo tudo com a xícara de café em mãos. O interessante das redes sociais são os múltiplos comportamentos, posso apenas observar acompanhado do meu silêncio, ou me manifestar acompanhado de palavras implícitas que bordam as famosas “indiretas”. Para ambos os casos, percebe-se o nível de maturidade. No primeiro: sensatez; no segundo: o narcisismo barato como a garota em frente ao espelho.
“Sozinho na solidão”, “Quem gostou, curte”, “Amor é tão bom”… são tantas poesias populares que fico a dissertar a sensibilização poética da poesia romântica inglesa de Shakespeare ou da poesia marginal dos anos 70 no Brasil. Porém, o fato é que estas poesias populares a que me refiro existem desde que o humano descobriu que a rede social é o melhor instrumento para a propagação de sentimentos e de relacionamentos. As mesmas fotos que vi (e vejo) diariamente são prelúdios para uma possível história de amor. Não se enganes, apaixonar-se virtualmente é apaixonar-se realmente pelo virtual, pois o essencial está além do que os nossos olhos podem ler e enxergar.
Quando digo que desisto das poesias populares que rabiscam as redes sociais, não digo que desisto do sentimento. Desisto de discutir, compartilhar, curtir ou comentar o sentimento alheio. Há mais verossimilidade poética nos livros da minha prateleira. Quando publico versos de Álvares de Azevedo em minha timeline, conto as curtidas com o dedo, mas quando rolo o meu feed nas fotos das poesias populares dos poetas virtuais, preciso de uma calculadora para contar as curtidas. Não que isto seja uma competição. É que toda vez que prego sobre o contraditório comportamento humano no que concerne ao sentimento, dizem que não tenho amor próprio. Escuto as opiniões alheias com a mesma importância de quando leio o “se gostou, curte” dos poetas contraditórios das redes sociais. Estas contradições são ecos que gritam, enquanto preparo minhas malas para partir da esperança sentimental. Aquela em que o “eu te amo” é dita pessoalmente ao som de MPB (ou clássica), acompanhada de olhares pessoais e algumas xícaras de café.
Sobre o autor:
Danilo Passos é escritor, roteirista e graduando em Letras pela Fatea e pesquisador do Pibic – CNPq, com pesquisas nas áreas de Estudos Literários e Educação. Algumas de suas pesquisas foram premiadas em congressos, como na Fatea e na Universidade Federal de Itajubá – Unifei. Em 2014, ganhou o X Festival Gato Preto de Lorena, com o curta-metragem “Álvares”, inspirado em fragmentos poéticos de Álvares de Azevedo.
Em 2015 relançará o seu romance “O Magnata do Tempo (2012 / Perse)” e lançará o livro “Sussurros e outros contos”. Em maio, proferiu um curso de “contos e narrativa literária” na Biblioteca Municipal de Pindamonhangaba, cidade onde reside. É ocupante da cadeira de número 12, cujo patrono é o escritor Gabriel Prestes. Para contatos, deixa seu Facebook: facebook.com/odanilopassos.