Durante o tempo da Quaresma, é tradição entre os católicos ressaltarem práticas que os levam aos temas da penitência e do sofrimento, como o jejum e a Via-Sacra. Há pessoas que admiram Jesus e o cristianismo, mas não entendem esse “culto ao crucificado”, que inclusive consideram mórbido. Preferem meditar os ensinamentos do Rabbí (Mestre) Jesus, que são palavras de sabedoria, bem como a imagem do Jesus alegre e festivo. Mas adorar a cruz parece-lhes estranho.
Um teólogo protestante, Jürgen Moltmann, escreveu um livro na década de 70 cujo nome é “Der gekreuzigteGott” (O Deus crucificado). Nesta obra, Moltmann recupera o impacto e a importância de Jesus crucificado para o cristianismo. Na sociedade contemporânea, a Cruz ainda diz alguma coisa a nós? Gostaria de compartilhar com vocês alguns aspectos interessantes da reflexão de Moltmann sobre a Cruz e seu sujeito – Jesus Cristo:
Os lorenenses mais atentos sabem que, embora as celebrações da Semana Santa sejam bem participadas, a cerimônia de Sexta-feira é muito mais procurada pelas pessoas: as igrejas ficam repletas. Muitos se perguntam por que a celebração do sofrimento de Cristo é mais popular que todas as outras. Na verdade, há nisso uma sabedoria do Povo (sensusfidei) que tem muito a ensinar! O amor ao Crucificado demonstra a compaixão das pessoas em viver a intimidade com Jesus no sofrimento. As pessoas querem tocar e beijar o Cristo na Cruz, revelando o melhor da humanidade no transbordamento do amor-doação (ágape).
Na América Latina e Setentrional as celebrações penitenciais e a Sexta-feira Santa eram vividas com mais intensidade que na Europa, segundo Moltmann. Desde o período colonial, negros e indígenas enxergavam no Cristo crucificado a presença de Deus que entende seus sofrimentos e se faz companheiro daqueles que a sociedade oprime e marginaliza. “Se o Crucificado é o ‘Filho de Deus’, então nenhum Faraó ou César pode ser filho de Deus, embora eles sempre tenham se chamado assim” (J. Moltmann). O Cristo glorioso, pós-pascal, é realidade bendita como esperança de salvação para todos. Mas enquanto os sofrimentos, a violência e as enfermidades são constantes, é nas chagas de Cristo flagelado que encontramos forças para dar testemunho (martyria) da fé.
O crucifixo em nossas casas e igrejas não é uma mera obra de arte. Às vezes esquecemos o horror ali encerrado: a Cruz revela um homem morto! Revela Deus crucificado! Um lembrete da tentativa do Mal de sufocar o projeto de salvação, matando o Filho de Deus. Mas Cristo transformou o instrumento de morte em fonte da vida. Durante o tempo da Quaresma, sempre que olharmos para o Crucificado, poderíamos pedir a Deus que nos ajude a não ferir a dignidade humana de ninguém, a não aumentar o círculo de maldade. Mais ainda: sermos misericordiosos com todos aqueles que sofrem, padecendo de males espirituais ou físicos.
Rafael Beck Ferreira
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