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COLUNISTAS / O saber acontece

Presentes no lixo

24/12/2014

Barão Geraldo em Campinas é um distrito que abriga a Unicamp e está próximo à PUC da cidade. Há um bairro Cidade Universitária pensado para abrigar os professores que viriam a trabalhar na iniciante universidade estadual. Terrenos baratos naquele tempo, mas uma região ainda afastada de tudo. Com o tempo, isso aqui virou uma outra cidade, até com um infundado movimento para sua emancipação. Os alunos que moravam longe, a uns 10 km daqui, passaram a encontrar espaço, pois descobriram que construir kitnets é um excelente negócio. Assim, o distrito passou a abrigar uma moradia estudantil junto com inúmeras repúblicas. O ar e o olhar mudaram, aspecto sociológico interessante que não me cabe avaliar.
Mas nesses dias chuvosos, o lixo à frente de um desses condomínios de repúblicas chamou a atenção. Largado sobre a calçada, um saco preto de plástico foi rasgado, deixando ver seu conteúdo: revistas de divulgação científica da Fapesp, o órgão de fomento à pesquisa no nosso Estado. Eu tenho guardadas todas as edições impressas desse instrumento mensal de informação, de pronto acesso, mesmo com as facilidades online. Aqueles alunos que descartaram exemplares valiosos da revista assumem um conjunto de ignorância e descaso muito emblemático. Talvez concluíssem que por serem antigas, perderam o valor e lixo é no que se transformaram. Mas, muitas bibliotecas carentes sequer cogitariam de ter aqueles caros exemplares. Esses estudantes devem receber a revista por serem bolsistas, ou seja, estão engajados em projetos de pesquisa, ensino ou de tecnologia. Descaso ou não saber que poderiam doar?
Nesta época, fala-se muito em doação, que quero crer ser mais propícia à alma e ao espírito (para os que neles creem) ou à singular natureza humana – mais fácil de aceitar que interpor questões místicas. E a doação material? Mesmo em bairros nobres, veem-se móveis jogados ao lado de caçambas, descartados ao tempo, desconsiderando que basta um telefonema para entidades que lidam com pessoas carentes ou em risco venham retirar esse útil material na porta do conforto dos ricos lares de onde foram inutilizados.
Um desperdício enorme de alimento cultural para mentes carentes e um desprezo por aqueles bens que já não nos servem, mas que fazem muita falta para outros. Assim, a sociedade do consumo migra para uma sociedade do lixo, mostrando que descartáveis acabamos sendo nós mesmos.

COLUNISTAS / Adilson Gonçalves

Pesquisador científico, formado em Química pela Unicamp. Foi professor na EEL-USP, em Lorena, por 20 anos, e atua na pesquisa de biocombustíveis e conversão de biomassa vegetal. Presidiu o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Lorena por dois mandatos e é membro fundador da Academia de Letras de Lorena, tendo sido seu presidente por quatro anos.


priadi@uol.com.br

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